Danuza Leão
O coração batia forte quando lembrava que ia vê-lo, mas ele não era desses homens que deixam as mulheres inseguras.
Foi tudo tão romântico. Ele, fotógrafo, chegou ao Rio e a conheceu grávida. Não aconteceu nada entre os dois, mas o que não aconteceu foi muito forte. O tempo passou, um dia ele reapareceu e foi tudo como deveria ter sido. Durante os quatro ou cinco dias em que ficaram juntos, nenhuma pergunta foi feita sobre a realidade de cada um. Ele perguntou se ela poderia encontrá-lo em Nova York no mês seguinte, ela disse que sim, e lá aconteceu um fato curioso. Os dois, muito bonitos, andavam pela Madison abraçados, como andam os que se amam, quando ele percebeu que alguém os fotografava; viu que era um colega da Magnum, ninguém menos que Cartier Bresson, que não o havia reconhecido, mas gostou de clicar o casal, tão bonito e tão apaixonado.
Ele passava a vida rodando pelo mundo, da Colômbia para a Indochina, de Angola para Cuba, Nigéria, Moscou; onde as coisas estivessem acontecendo, ele estava. A única coisa que ela soube um dia, por acaso, é que, nos raros momentos em que não estava viajando, ele costumava ir a um bosque perto de sua casa, em Zurique, cortar lenha. Ela se sentiu desorientada, perdida; nunca tinha conhecido um homem assim.
Ela tinha obsessão pelas mãos de pessoas; mãos de homens, sobretudo. Era preciso que as mãos de um homem a atraíssem para que alguma coisa acontecesse, e ela se apaixonou pelas mãos desse homem que cortava lenha antes mesmo de se apaixonar por ele. Porque foi uma paixão; uma paixão forte em que não havia passado nem futuro, só o presente, como costumam ser as paixões. Entre um encontro e outro, eles iam vivendo, e até na Guatemala ela foi parar um dia, para encontrá-lo. Teve também Paris, Genebra, e, curiosamente, se lembrava mais das mãos dele do que do rosto.
Ele se tornou um fotógrafo famoso, mas, como disse Prévert, “a vida separa os que se amam”, e eles se perderam durante longos anos. Um dia, ela, no Rio, leu num jornal que ele estava em São Paulo. E como sempre se consegue tudo que se quer muito, ela conseguiu seu número de telefone. Ele já tinha procurado por ela, mas não tinha conseguido — ela estava casada com outro homem, com outro nome. Ele quis vê-la, pediu que ela fosse encontrá-lo, ela ficou com medo que ele achasse que os anos haviam sido cruéis com ela, quem sabe ele viria ao Rio? Mas ele não podia, tinha compromissos, e daquela vez nada deu certo. Foram longos telefonemas, e, no dia em que ele ia embarcar, ela decidiu tomar um avião e encontrá-lo no aeroporto de São Paulo, só para se reverem por uns momentos, só para se lembrarem que ainda estavam vivos. Ficaram juntos o tempo de um café, ele perguntou se ela poderia encontrá-lo no fim do ano, quando teria uns dias livres, ela não podia, tinha marido, filhos, netos, aniversários, mas disse sim. Passou por um espelho e se achou bonita; eles ainda faziam um belo par.
O tempo passou; o coração batia forte quando lembrava que ia vê-lo, mas ele não era desses homens que deixam as mulheres aflitas ou inseguras. Ela disse ao marido o clássico: que precisava de um tempo. Iria diretamente para Zurique e só se falariam se os planos mudassem; era sempre assim com ele. Ela embarcaria dia 23 e chegaria na véspera do Natal, 24. Que maravilha, um Natal sem árvore, família, presentes, peru assado, crianças gritando. Na noite anterior, não conseguiu dormir e, já de madrugada, teve a ideia — pela primeira vez. Abriu o computador e procurou seu nome no Google. Não foi difícil achar. Lá estava ele, com os cabelos mais brancos, contando sua vida, como se tornou fotógrafo, e muitas das famosas fotografias feitas por ele. Ela foi indo aos poucos, devagar, saboreando cada palavra que lia, cada foto dele que via, até que de repente parou num vídeo — uma entrevista de quatro minutos feita há tempos, na qual focavam sobretudo suas mãos. Ela parou, respirou fundo. Passou uns minutos sem nem saber em que estava pensando, em tudo, nele, muito, muito.
Chegou ao link seguinte, leu “morreu na segunda-feira o fotógrafo...”, e não entendeu. Leu várias vezes, continuou sem entender, e não entende até hoje.
Mas tomou o avião. Para estar mais perto dele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário