Cecil Beaton, o fotógrafo que tocou a alma dos mitos do século XX
Salvador Dalí e Gala, retratados por Beaton em 1936
Fotógrafo, cenógrafo, escritor, pintor... É inútil tentar aprisionar o gênio de Cecil Beaton (Londres, 1904 - Salisbury, 1980) em uma única disciplina artística. Seu olhar requintado e agudo foi além de qualquer um dos ofícios que praticou. Recebeu três Oscars ao longo da vida pela direção da arte e pelo figurino de filmes que sem ele seriam impensáveis.
No mais famoso, My Fair Lady (Minha Bela Dama, de George Cukor, 1964), deu livre curso a tanto conhecimento e fantasia que seus cenários e vestidos transcenderam épocas, modas e gostos.
Mas, acima de tudo, a fotografia foi sua companheira mais constante e por isso a exposição que faz parte da programação da PHotoEspaña é uma oportunidade única (ele jamais tinha sido objeto de uma retrospectiva na Espanha) para conhecer o trabalho de um verdadeiro mestre do retrato e do enquadramento.
Beaton entendeu como poucos o valor profundo da beleza e da elegância, duas palavras que de tanto serem usadas hoje perderam seu verdadeiro significado, que ele soube lhes dar.
“Era um homem do Renascimento”, afirmou no dia da abertura uma das curadoras, Oliva María Rubio, enquanto Joanna Ling, também curadora e responsável pelo arquivo do artista depositado na Sotheby’s, explicava a natureza complexa de um homem que desfrutou de toda a glória (em 1968, a National Portrait Gallery dedicou-lhe a primeira exposição de obras de um fotógrafo vivo em um museu nacional britânico), mas que sempre viveu lastreado por certo complexo de classe.
Primeiros passos
Pertencente a uma família de classe média, suas irmãs e sua mãe foram, no início, as protagonistas de suas fantasias. Ele as fantasiava e arrumava para depois fotografá-las em maravilhosos cenários imaginados por ele. Jogos florais, tecidos loucos e brilhantes, fundos pintados, uma visão teatral e ornamental da vida que forjou seu estilo inimitável.
Foi nesse estúdio caseiro onde aterrissou a poeta de vanguarda Edith Sitwell, que se tornou uma modelo frequente e sua primeira mecenas. Ela e seus irmãos, Osbert e Sacheverell Sitwell, eram amigos de uma figura que foi fundamental na vida do fotógrafo: o jovem, belo e boêmio aristocrata Stephen Tennant, cujo círculo de amigos hedonista, apelidado de Bright Young People, fascinou Beaton. O amor pelos mésis da decadência estava finalmente servido.
Entre os 116 retratos reunidos em Madri, sob o título Cecil Beaton, Mitos do Século XX, há ícones do cinema, da arte, da literatura e da realeza. A lista é longa, de Marilyn a Picasso, Dalí, Gala, Francis Bacon, Henry Moore, Giacometti, Mick Jagger, Marianne Faithfull, T.S. Eliot, Chanel, Balenciaga, Stravinsky, Maria Callas, Nureyev, Martha Graham, André Malraux, Sartre, Colette, Buster Keaton, Laurence Olivier, Anna Magnani, Katharine Hepburn, Leslie Caron, Gary Cooper, Avedon, Irving Penn, a rainha Elizabeth da Inglaterra e a rainha Sofía da Espanha, entre muitos outros.
Nenhum retrato é óbvio ou repetitivo e surpreende a ternura do olhar de um homem que não tinha papas na língua e era temido por seus comentários venenosos.
Jean Cocteau
Seus diários mordazes oferecem seu pior aspecto: “Cocteau o chamava de Malícia no país das maravilhas”, lembra Oliva María Rubio. Terence Pepper, especialista na obra de Beaton e responsável pela exposição organizada em 2004 pela National Portrait Gallery por ocasião do centenário de nascimento da artista, perdoava na terça-feira em Madri essa faceta maligna do fotógrafo.
“Cecil era muito alto e muito generoso, tinha muitos lados e eu sempre fiquei com os bons”. Pepper emprestou várias peças de sua própria coleção para a exposição, entre elas a revista Life em que aparece o retrato de Eileen Dunne quando menina, ferida aos três anos por um bombardeio alemão e símbolo do fabuloso trabalho que Beaton fez como fotógrafo de guerra.
Paixão por Garbo
Uma das imagens mais destacadas da exposição é, sem dúvida, a da atriz sueca Greta Garbo, protagonista de um dos capítulos mais apaixonantes da biografia de Beaton.
Eles se conheceram em uma viagem a Hollywood em 1932, mas ele só a fotografou em 1946, quando Garbo precisou de algumas fotos para seu passaporte e –assim são as divas– pensou nele. Beaton, homossexual, estava secretamente apaixonado e aquela sessão era uma ambição perseguida.
Eles se encontraram novamente um ano depois, ambos estavam na casa dos quarenta e começaram um romance de forças desiguais. Ele queria se casar e ela não. Bissexual e retraída, Garbo tinha uma relação com a aristocrática roteirista de origem cubana Mercedes de Acosta. Beaton e Acosta começaram uma boa amizade. Mas Garbo, paranoica com sua privacidade, acabou dinamitando ambas as histórias.
Com Beaton o final foi especialmente triste. A Vogue publicou algumas fotografias que ela não havia autorizado e a atriz culpou o fotógrafo, que jamais foi perdoado. Não é preciso dizer que Beaton captou como ninguém a bela entre as belas e a série de fotografias íntimas que fez é um apogeu inatingível na história da beleza.
Beaton passeou até a morte com seus chapéus Fedora e seus ternos esmerados e caros. Sua amizade era um privilégio para os jovens da Swinging London, com quem era generoso. O fotógrafo David Bailey, que então saía com a modelo Penelope Tree, rodou em 1971 um extraordinário documentário em que, além de mostrar o mestre trabalhando, reúne depoimentos de contemporâneos e amigos.
Um dos melhores momentos é um diálogo entre o escritor Truman Capote e a editora de moda Diana Vreeland, em que discutem sobre a verdadeira identidade de Beaton. “Por acaso alguém sabe? Por acaso o próprio Cecil sabe?”, pergunta Capote retoricamente. “Claro que sabe. Ele é um cavalheiro inglês. A única coisa que importa para Cecil e a única coisa que quer ser”, responde Vreeland. Os paradoxos do personagem emergem na conversa, tão vaidoso quanto modesto, diz Capote, tão rude quanto educado, acrescenta. “É extremo”, conclui Vreeland, que olhando de soslaio para Capote, acrescenta: “ele escolhe seus inimigos lindamente”.
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