130 anos depois, porque é que continuamos fascinados com os girassóis de van Gogh?
Apesar de nunca ter recebido os girassóis que pediu, Paul Gauguin nunca se esqueceu deles. “Gauguin estava impressionado com os girassóis, que elogiava repetidamente e que pediu como presente. Anos depois, no Pacífico Sul, pintou algumas imagens de girassóis numa aparente homenagem ao seu antigo colega de casa”, afirmou Martin Gayford, autor do livro The Yellow House: Van Gogh, Gauguin, and the Nine Turbulent Weeks in Arles, à BBC.
Estes últimos vasos de girassóis encontram-se atualmente em diferentes museus, em Filadélfia, Amesterdão e Tóquio. A cópia que está no Museu Van Gogh esteve sempre com a família até à sua doação, em 1973. Dos restantes quatro, apenas dois se encontram expostos ao público, em Munique e em Londres. Um foi destruído durante um incêndio provocado pelo bombardeamento de Osaka pelos exército dos Estados Unidos da América durante a Segunda Guerra Mundial e o outro faz parte de numa coleção privada norte-americana. Este último, o mais antigo de todos, não é exibido desde 1948, quando foi emprestado durante um mês ao Museu de Arte de Cleveland. Ao contrário das cópias da National Gallery e do Museu Van Gogh, consideradas as mais bem conseguidas das sete, esta não tem o característico fundo amarelo — os três girassóis, colocados dentro de uma jarra verde, surgem em frente a uma parede azul-turquesa.
As pinturas são todas diferentes, como explicou Ella Hendriks, conservadora e responsável por um recente projeto de estudo dos girassóis da National Gallery e do Museu Van Gogh, ao The New York Times. “Apesar de a paleta básica ser a mesma, existem muitas cores diferentes que foram usadas, diferenças nas texturas e o trabalho do pincel também não é igual”, explicou. Para criar a série de sete girassóis, Vincent van Gogh recorreu a várias técnicas, como os pontos típicos dos pontilhistas e as pinceladas esculturais e rápidas, e quebrou algumas regras que eram tidas como sagradas, como explica o museu londrino no seu site. Naquele tempo, era comum pintar o fundo com uma cor oposta à do objeto retratado, mas van Gogh fez precisamente o contrário e colocou amarelo sobre amarelo nas versões mais tardias dos seus girassóis. No exemplar que faz parte da coleção do Museu Van Gogh, em Amesterdão, usou apenas três tons de amarelo em todo o quadro.
O objetivo de Vincent van Gogh não era tanto fazer uma cópia exata da natureza, mas antes expressar as suas próprias emoções, como ele próprio explicou numa carta enviada a Theo pouco antes de iniciar a série de flores amarelas: “Em vez de tentar apresentar exatamente o que tenho diante dos meus olhos, uso a cor de forma mais arbitrária para me expressar”, escreveu. Este uso particular do cor influenciou profundamente a arte moderna, em especial os expressionistas que lhe seguiram.
“Gostava de pintar de forma a que (…) toda gente conseguisse percebê-lo de olhos fechados”, disse uma vez. Por outro lado, e no caso específico dos girassóis, estes permitiam-lhe “expôr os seus métodos de trabalho, a forma como abordava os motivos e as preocupações específicas que tinha ao pintar. Os girassóis que colocava num vaso de manhã cedo requeriam tratamento urgente, pois murchavam ao fim de algumas horas. Este facto permitiu-lhe justificar um procedimento que, para sua satisfação, representava um fim em si próprio. Um pintor não habituado a um trabalho rápido nunca conseguira captar a beleza que, minuto a minuto, se ia consumindo. Era o amarelo dos girassóis que transmitia toda a magia, aquela cor do sul a que van Gogh já prestara homenagem ao pintar a sua casa de amarelo”, escreveu Ingo F. Walther.
Van Gogh adorava amarelo. Como é explicado no site da National Gallery, esta cor era, para ele, um símbolo de felicidade. Era por isso natural que se sentisse atraído pelos girassóis, pela sua “cor vibrante” e também pela sua forma. “O girassol é uma planta muito forte e resistente. É elegante e refinada. Ele chamava-lhe ‘girassol rústico’. Tem a aspereza e a falta de polidez do campo, de que ele gostava muito”, afirmou Nienke Bakker no catálogo da exposição atualmente patente no museu de Amesterdão, citado pelo Artsy. O poeta simbolista e crítico francês Gabriel-Albert Aurier foi mais longe, declarando que a “paixão obsessiva” de van Gogh pela flor estava relacionada com aquela que ele tinha pelo “disco solar”, que ele adorava “fazer brilhar” como uma chama nos céus dos seus quadros. Mas, para o pintor, o verdadeiro significado era ainda mais profundo — era de “gratidão”, como ele próprio admitiu em 1890 numa carta à irmã Wil.
Martin Bailey, autor de The Sunflowers Are Mine: The Story of Van Gogh’s Masterpiece, acredita que, “se olharmos mesmo para as pinturas, percebemos que eles [os girassóis] estão em diferentes fases”: alguns ainda não floriram, uns estão completamente abertos e outros estão já a perder as pétalas e a morrer. “Van Gogh está a falar sobre o ciclo da vida. Tudo flore e tudo morre, e depois volta a nascer”, disse ao The Telegraph, acrescentando que “achamos que conhecemos os quadros dos girassóis tão bem porque já os vimos reproduzidos centenas de vezes, mas as pessoas não olham mesmo para eles”. De tal forma que, para a grande maioria, os girassóis do pintor são apenas um e não sete. “Nem sequer se apercebem que são uma série”, declarou Bailey, desta vez à BBC.
Talvez porque o que verdadeiramente fascina na série de pinturas do artista holandês não são as pinturas em si, mas a figura do homem que as executou. “A popularidade dos Girassóis é, por um lado, uma combinação da sua beleza, impacto emocional e um toque da condição humana e, por outro, do fascínio do público com a fama, o dinheiro e o mito. Existe qualquer coisa aqui para toda a gente”, defendeu Leo Janson, curador no Museu Van Gogh, ao mesmo canal de televisão britânico. “Temos de aceitar o facto de que as pessoas adoram a obra de van Gogh por causa dos quatros em si e por causa do homem que os pintou e da história que existe por trás dele. Torna-se muito difícil separar van Gogh, o homem, de van Gogh, o artista”, afirmou Bailey ao The Independent. Para o especialista, isto não é necessariamente mau. O que interessa é que, independentemente da razão, “as pessoas” cheguem “à sua arte”, uma das mais marcantes do final do século XIX.
Vincent van Gogh não chegou a sentir o gosto da fama de que hoje goza. O artista morreu a 29 de julho de 1890, dois dias depois de ter disparado sobre o próprio peito. As suas últimas palavras terão sido, de acordo com o testemunho do seu irmão Theo, “a tristeza vai durar para sempre”. Ao saber do seu suicídio, Claude Monet, que tinha elogiado os girassóis expostos no restaurante de Paris, questionou: “Como é que um homem que amava tanto as flores e a luz que as retratou tão bem podia ter vivido tão infeliz?”. Mesmo na morte, as flores que o holandês “amava tanto” nunca o abandonaram — durante anos, o seu médico e amigo Paul Gachet, plantou girassóis junto à sua campa.
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