O futuro da Terra e das próximas gerações joga-se na COP26 — a conferência anual da ONU sobre o clima —, prestes a começar. Seis anos após a entrada em vigor do Acordo de Paris, cujo objetivo é limitar o aquecimento global a 1,5ºC face à era pré-industrial, não seria expectável que, há cerca de um mês, António Guterres abrisse a última Assembleia Geral da ONU pedindo ao mundo que acorde, pois “estamos à beira de um abismo”.
Desde a COP21, em 2015, na qual 196 países assinaram o Acordo de Paris, não só os sinais e consequências decorrentes do aquecimento global têm sido cada vez mais severos, como as emissões de gases com efeito de estufa têm batido recordes anualmente, com exceção para 2020, devido ao confinamento global. Na realidade, a temperatura já aumentou 1ºC, pelo que a nossa janela atual é de apenas 0,5ºC — sendo que as medidas com que signatários do Acordo de Paris se comprometeram até agora são totalmente insuficientes, levando a um aquecimento global estimado de 3ºC. Ou seja, é preciso aumentar a ambição — tanto nos compromissos, como na ação.
Para se cumprir o Acordo de Paris, até 2030 as emissões globais terão de diminuir 50% (a UE assumiu 55%). Para tal, ao longo desta década, terão de diminuir mais de 7% ao ano — uma redução anual superior à de 2020 em contexto de confinamento (5,8%). Depois de décadas sucessivas com recordes anuais de emissões, seremos capazes de reduções superiores à de 2020 sem as nossas vidas e economias confinadas? Esperemos que sim, pois a urgência não podia ser maior. Os anos mais quentes de sempre desde que há registos diários (1880) foram 2020 e 2016. E, este ano, a Europa teve o seu ano mais quente, no Canadá os termómetros atingiram os 46,1ºC e na Antártida fixou-se um novo recorde nos 18,1ºC.
Falharmos o Acordo de Paris será devastador do ponto de vista económico, social e ambiental. Para termos uma ideia das consequências, se todo o gelo do mundo derretesse, o nível médio do mar subiria até 60 metros (o dobro da altura da Torre de Belém), os eventos climáticos extremos e secas prolongadas devastariam os ecossistemas e a produção alimentar, e a vida marinha teria na morte dos corais o seu requiem.
O aquecimento global tem impactos severos na biosfera e nos ecossistemas — sem os quais não há economia, nem bem-estar na Terra. Para que a COP26 seja um sucesso, será fundamental que os países aumentem os seus níveis de compromisso e ação, e, para que o Acordo de Paris seja resgatado do limbo em que se encontra, será fundamental que os países do G20 (incluindo Brasil, Índia, Rússia e China) apoiem um conjunto de medidas já previstas desde 2015, nomeadamente:
Acelerar o abandono dos combustíveis fósseis e dos motores de combustão interna, o que implica acelerar a eletrificação do mundo a partir de fontes renováveis e adotar de imediato uma taxa de carbono global (sendo que, desde 2015, os governos do G20 investiram o triplo em combustíveis fósseis — 77 mil milhões de dólares anualmente — do que em energias renováveis);
Travar a deflorestação, a perda de biodiversidade e a degradação dos ecossistemas, adotando medidas como a remuneração dos serviços dos ecossistemas. Não só nós somos parte da natureza, como dela obtemos bens e serviços essenciais, nomeadamente, alimentos, água, e a regulação do clima e das doenças;
Criar incentivos eficazes para a transição dos mercados financeiros para o paradigma da sustentabilidade, para mais I&D de tecnologias que ajudem a capturar o stock de carbono da atmosfera, e para a qualificação ou requalificação de pessoas, já que uma economia verde depende de novas competências;
Apoiar mais os países em desenvolvimento, com transferência de conhecimento, e assistência técnica e financeira;
Criar mecanismos credíveis de monitorização dos compromissos assumidos. Um modelo de desenvolvimento assente na destruição da natureza e da biosfera estará sempre condenado ao fracasso. O que está em causa não é o planeta Terra, mas sim as futuras gerações, isto é, a viabilidade da vida na Terra com níveis decentes de bem-estar.
A COP26 é a primeira da década derradeira para a estabilização do clima e para cumprirmos o Acordo de Paris. Se falharmos, a pandemia terá sido apenas um ligeiro ensaio do que será a vida na Terra no futuro.
Mas, por enquanto, ainda temos Paris
João Wengorovius Meneses
Secretário-geral do BCSD Portugal
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