Caterina se tornou Rainha da França após a morte do primogênito de Francisco, e, em seguida ao falecimento do marido Henrique II, como rainha regente em nome de três filhos. Durante o seu reinado teve que enfrentar a guerra religiosa entre católicos e protestantes, conflito que durou mais de dez anos e que Caterina tentou de todas as formas pacificar. Fez um édito de liberdade de religião e até mesmo organizou um casamento “misto” entre sua filha católica e um príncipe protestante, mas a tentativa fracassou, acendendo ainda mais o conflito.
Embora a história tradicional tenha sempre projetado uma sombra negra sobre a figura de Caterina, inventando ligações com a magia negra, preparação de venenos para satisfazer vinganças e seu ciúmes doentio pelo marido, na verdade Caterina sempre agiu pelo bem da sua pátria adotiva, na tentativa de proteger a dinastia dos Valois e garantir o reinado dos fillhos. Foi uma mulher de forte caráter, pragmática ao mesmo tempo de cultura e inteligência refinada.
Com apenas 14 anos, Caterina foi levada à corte francesa e encontrou um ambiente hostil. A sociedade francesa não aceitava a entrada na corte de uma burguesa, sem sangue azul. De fato, a riqueza e o poder dos Médicis provinha do comércio e de atividades banqueiras, mas não por origens nobres. Outro fator contra Caterina era a sua aparente infertilidade. Demorou 10 anos para dar o primeiro herdeiro ao marido que, no meio tempo, “substituiu” a esposa na corte pela amante, obrigando Caterina a viver praticamente exiliada no Castelo de Chaumont.
Caterina de’ Medici trouxe com sua mudança da Itália para a França não somente roupas, joias e damas de companhia, mas também cozinheiros e perfumistas que influenciaram fortemente os costumes e a cultura francesa. Basta pensar na simples introdução do garfo à mesa. Até então, os franceses ainda comiam com as mãos.
Seus cozinheiros trouxeram de Florença receitas que hoje pensamos ser francesas, como o molho bechamel (salsa colla), o pato com laranja, sopa de cebola (carabaccia), o crepe (crespella alla fiorentina), omelette (fritata), entre outros.
Outra novidade trazida por Caterina foi a introdução do perfume. As principais cidades italianas já contavam com ao menos um frei responsável pela manipulação de ervas e flores para produzir perfumes que eram usados regularmente pela alta sociedade. Caterina levou consigo o seu mestre perfumista Renato Bianco que ensinou jovens aprendizes franceses esta arte que logo foi absorvida pelos franceses.
Uma das lendas sobre a “Rainha Negra” era que teria sido a mandante do “Massacre de San Bartolomeu” onde centenas de protestantes foram assassinados, e que ela teria caminhado pelos corpos sem vida para confirmar a sua ordem. Esta é uma pintura da segunda metade de 1800 que ajudava a propagar uma das tantas calúnias inventadas sobre a sua pessoa.
O papel de Catarina de Médicis, segundo a tradição, é essencial na História da Gastronomia. Ela trouxe de Florença o gosto por vegetais e molhos. Foram os seus cozinheiros que enriqueceram a culinária francesa com brócolis, alcachofra, feijão, bolinhos de aves, cristas de galo, as favas e ervilhas, tão em voga hoje na França.
Isso para não mencionar a pastelaria que tudo deve aos artesãos florentinos, mestres na arte de fazer compotas, geleias, marsipan, pain d'épices, molho béchamel, nougat, marrons glacés, macarons ou frangipane, os últimos confiados a Catarina pelo conde Desare Frangipani. A cereja do bolo seria também a importação do famoso sorvete italiano, trazido da China dois séculos antes por Marco Polo.
Paradoxalmente, o mito culinário de Catarina de Médicis nasceu em meio a um contexto de pouco favorável à rainha. Na verdade, esse mito alimentou muitas fantasias durante séculos. Rainha estrangeira, maquiavélica, mas que tentou desesperadamente manter a unidade da França; sofreu críticas em todas as classes e religiões, católicos e protestantes. Durante a vida, panfletos não a poupavam. Após a morte, ainda se guardou a imagem de uma rainha venenosa e cruel, responsável pelo massacre de Saint-Barthélemy.
As reclamações são tantas que a chegada de refinados cozinheiros italianos à corte francesa não contam em favor de sua memória.
Os moralistas lamentam amargamente o abandono do Estado dos freios à libertinagem. Catarina de Médicis não é poupada. Seu gosto pela boa comida e pelo luxo a designou como um incentivo à depravação da jovem nobreza francesa.
Mas, o homem acaba se cansando de comer sempre a mesma coisa e diversifica a alimentação a ponto de torná-la uma arte. São os povos asiáticos os primeiros a se destacar na delicada arte de transformar uma comida simples e boa em outra mais abundante, mais variada, preparada com mais sensibilidade e, por consequência, mais prejudicial à saúde.
A tendência se espalhou para outros povos, depois para a Grécia, onde sábios espartanos legislam para se protegerem. Mesmo os romanos, respeitando uma vida sã e frugal, deixaram-se seduzir pela boa comida que as riquezas e o poder recém-adquiridos colocavam ao alcance, a ponto de perdê-los nos excessos tão denunciados por Sêneca.
Foi nessa época, conta a Enciclopédia, que os cozinheiros se tornaram pessoas importantes, procuradas, e valorizadas.
Os italianos foram os primeiros a herdar os restos da culinária romana. Com o tempo, os cozinheiros vieram para se estabelecer na corte de Catarina de Médicis.
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