Aos Moradores da cidade de Salvador, em 29 de março de 2022.
Aos Senhores Vereadores, representantes do povo de Salvador,
Ao Prefeito do Município de Salvador, Sr. Bruno Reis,
Ao Secretário Desenvolvimento Urbano, Sr. João Xavier Nunes Filho,
Ao Superintendente de Trânsito de Salvador, Marcos Vinícius Passos Raimundo
A SAGA DOS MORADORES DA PRAIA DO BURACÃO E O ALVARÁ DA CASA 180
A história é longa e muito movimentada. Pode parecer uma fábula, uma lenda, mas é uma narrativa recheada de realidade do que parece ser a “promoção planejada da desordem urbana” em Salvador, capitaneada pelo poder público municipal, cuja visão transforma a cidade num privilegiado balcão de negócios,
A localidade da Praia do Buracão, fica no Rio Vermelho, nesta capital que ora celebra 473 anos. Uma cidade fundada aos caprichos do traçado das ideias e dos ideais renascentistas para ser capital do Brasil, que cresceu e produziu várias localizações para abrigar seus habitantes e atividades. Esse sítio surge delineado a partir de uma via transversal da rua Marques de Monte Santo, e se desenvolve na
direção à praia do mesmo nome. Seguindo um traçado cuja representação estilizada assemelhasse a de um ípsilon, com 135 m de tramo inicial que depois se abre em 173m de extensão, configurando a rua Barro Vermelho e a outra perna, com 75m, a rua do Mirante, ambas ruas locais, sem saída.
Ao longo da extensão desseslogradouros foi implantado um loteamento, hoje ocupado por 350 domicílios distribuídos em onze condomínios de apartamento e casas uni residenciais. Todos pagadores de impostos municipais e, como cidadãos de Salvador, deveriam estar protegidos pelos direitos metaindividuais, cujos princípios fixam a dignidade das pessoas na busca de valores urbanos para uma sociedade mais justa e solidária, pelos interesses coletivos e interesses difusos ligados por circunstancias de fato que passaram a serem reconhecidos como Direito à Cidade. Então, o que se espera é uma “cidade cuidadora”, mas hoje vivenciamos o contrário.
Uma saga tem como base a ficção e feitos heroicos. A ficção se configura em uma Secretária de Desenvolvimento Urbano (SEDUR) e uma Superintendência de Trânsito (TRANSALVADOR), de uma cidade com 473 anos, que revelam uníssonas em ignorar que deveriam propiciar aos seus cidadãos um ambiente urbano equilibrado, sadio e adequado. E mais, parecem ignorar que o poder público não deveria transformar uma cidade singular, como Salvador, em uma “cidade genérica” movida pela disputa de localizações e avessa a princípios civilizatórios, como direito à vida urbana e ao sossego.
No final do inverno de 2021, os moradores da Praia do Buracão, foram surpreendidos, na serenidade do seu cotidiano, com o andamento de uma demolição no imóvel de número 180. Uma obra que acontecia sem o licenciamento municipal e sem a identificação de um responsável técnico pela intervenção. Isto despertou a curiosidade e preocupação do que estava acontecendo nesse imóvel.
Começando a primavera do mesmo ano, os moradores da Praia do Buracão manifestaram suas inquietações, através de um abaixo assinado – endossado pelos síndicos dos 11 condomínios – e protocolado junto a Secretária de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador (SEDUR), buscando informações sobre o efetivo licenciamento de obras e as novas atividades a serem ali abrigadas. No que pese a falta de informação da SEDUR, foi identificado que transitava um pedido de licenciamento para “reformas gerais e/ou reforma” que implicava, também, na mudança do uso residencial do imóvel nº 180, para abrigar atividades de comércio de bebidas, restaurante e entretenimento/festas.
Os residentes da Praia do Buracão já conhecem o que isto significa pois padecem com a instalação de um polo gerador de tráfego, de ruído e de intranquilidade, com o Blue Comércio de Alimentos e Bebidas Ltda (que funciona protegido por uma liminar) que promove toda sorte de celebração e de abusos ao cotidiano dos moradores, criando obstáculos à livre circulação de veículos e ruídos que comprometem a sua qualidade de vida.
Esses são fatos objetivos de fácil observação empírica que poderiam subsidiar a SEDUR e a TRANSALVADOR sobre os impactos negativos advindos da concessão de licença para o funcionamento do negócio de venda de comida, bebidas, com entretenimento e uso da praia, como o que está sendo proposto pela empresa PRINCIPOTE SSA LTDA – vinculada ao grupo San Sebastian e cujos proprietários exploram o ramo de boates, discotecas, danceterias, salões de dança e festas –, para funcionar na casa 180, da rua Barro Vermelho, na Praia do Buracão.
As suas expensas, os moradores financiaram a elaboração de um Parecer Técnico de Impacto de Trânsito nos logradouros considerados, que foi colocado à disposição do poder público e protocolaram junto a SEDUR e a TRANSALVADOR. Esse Parecer demonstrou, de maneira insofismável, as externalidades negativas advindas do inusitado bar/restaurante/casa de espetáculo cuja designação, conforme divulgado, evocará o berço da democracia e da cidadania, com estilo grego!
Os moradores cumpriram uma verdadeira jornada cidadã no sentido de fornecer elementos à SEDUR/TRANSALVADOR, de modo a que cumprisse com o compromisso de garantir um ambiente urbano equilibrado e harmônico, sem sucumbir à proteção de interesses individuais. A instalação do empreendimento em pauta está desvinculada dos princípios básicos da função social da propriedade, da dignidade dos moradores e remete ao coletivo o ônus de suas incomodidades.
O périplo dos moradores aos órgãos da administração municipal, lamentavelmente, confirmou a pouca importância da Prefeitura na proteção da ordem social, ao conceder o Alvará para “ampliação e reforma” da casa 180. Optou pelo risco na estratégia deletéria ao instrumentalizar o uso incompatível do ponto de vista da ocupação do solo, ao permitir em área essencialmente residencial e de acesso limitado, a implantação de uma atividade comercial que agravará os conflitos já comuns, com a presença constante de TRANSALVADOR e de policiais. Ao provocar um calculável colapso de circulação e acirramento dos conflitos de vizinhanças, também contraria o que seria o papel da gestão municipal, de buscar minimizar as tensões e garantir um ambiente urbano equilibrado, por fim, o de proporcionar aos seus habitantes uma vida urbana com qualidade.
A inobservância da função social da cidade atinge os seus moradores e gera implicações à própria máquina pública com gastos e prejuízos pois terá que intervir para resolver a disfuncionalidade gerada por ela mesma ao produzir, por exemplo, o colapso do trânsito com o licenciamento de um empreendimento/atividade, polo gerador de trânsito numa rua local e sem saída. E o mais grave, sem a anuência do órgão de trânsito do próprio município, conforme preconiza o Código Brasileiro de Trânsito. Era de se esperar que, no mínimo, a SEDUR e a TRANSALVADOR avaliassem o Estudo que foi apresentado pelos moradores que fornece todos os subsídios para prognosticar os desdobramentos que a inserção perversa desencadeará no ordenamento do ambiente urbano.
A ordem urbana não pode ser apropriada por indivíduos que fanfarreando ligações e intimidades com as esferas do poder, capturam os órgãos de gestão pública submetendo assim, a política urbana à práticas circunstanciais, alicerçadas na provisoriedade, que o fazem mesmo ameaçando a estabilidade da ordem urbanística, lograr benefícios individuais em detrimento dos interesses que regem a ordem pública em prol do bem coletivo, da segurança, do equilíbrio ambiental e do bem estar dos cidadão de uma Metrópole de 473 anos.
COMISSÃO DE MORADORES DA PRAIA DO BURACÃO