Justiça condena Vale, Samarco e BHP e pede indenização de R$47,6 bilhões por rompimento da barragem de Mariana (MG), no Rio Doce
Decisão judicial calculou valor por danos morais coletivos, mas número ainda precisará ser corrigido, com juros de mora, e pode chegar a cerca de R$98 bilhões
A justiça determinou que as empresas Vale S.A, Samarco e BHP paguem uma indenização de R$47,6 bilhões pelos danos morais coletivos decorrentes do rompimento da barragem de Mariana (MG). O caso é considerado a maior tragédia ambiental da história do país e causou dezenove mortes, a contaminação da bacia do Rio Doce e a destruição de distritos inteiros, como Paracatu de Baixo, Bento Rodrigues e Gesteira.
O juiz federal substituto Vinicius Cobucci, da 4ª Vara Federal Cível e Agrária da SSJ de Belo Horizonte, que enxergou violação de direitos humanos das comunidades atingidas, decidiu que o valor ainda precisa ser corrigido, com juros de mora, considerando a data do rompimento, ou seja, 5 de novembro de 2015. Por isso, o número de R$47,6 bilhões aumentará substancialmente e será destinado a um fundo previsto por lei, administrado pelo governo federal, a ser usado exclusivamente nas áreas impactadas.
Como se passaram 98 meses desde a tragédia e os juros de mora são de 1% ao mês, o valor da indenização deve chegar a R$95 bilhões, em um cálculo inicial. Na ação, o MPF e o MP de Minas pediram como indenização 20% do lucro líquido das empresas, estimado em R$500 bilhões, o que daria cerca de R$98 bilhões, ou 30% do valor atualizado da causa, o que representaria R$101 bilhões.
Mas o juiz definiu como parâmetro de dano moral o montante que já foi gasto nas próprias ações de reparação e compensação das empresas, diz a decisão. Já o pedido de pagamentos de indenizações individuais não foi deferido, por questões técnicas. Segundo a decisão, " o pedido não trouxe elementos mínimos para identificar as categorias dos atingidos e quais danos estas categorias sofreram".
Essa é a primeira decisão de mérito de dimensão global que já foi proferida no processo. Até então, só houve sentenças sobre alguns pontos específicos. A decisão aconteceu dentro da ação movida pelo Ministério Público Federal e Ministério Público de Minas.
Professora de direito da Universidade Federal do Ouro Preto (UFOP) e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (GEPSA), Tatiana Ribeiro questiona o cálculo que foi feito para se definir o valor de dano moral.
— O dano só será reparado se houver a identificação individualizada e a definição das medidas de reparação. Como por exemplo levantar os danos em um município e as medidas necessárias, através de um diagnóstico socioambiental — explica Ribeiro, que também questiona o uso dos gastos das empresas como parâmetro. — Para elas é vantajoso, porque nem tudo o que gastaram foi com reparação. Houve por exemplo gastos com marketing.
Acordo em outro processo
Além desta ação, uma outra foi movida pelo próprio governo de Minas Gerais e a União contra as empesas. Nesse processo, houve um acordo extra judicial para investimentos em ações de reparação e compensação, incluindo indenizações e auxílios financeiros emergenciais a 435 mil pessoas que vivem na bacia do Rio Doce. Segundo a Vale, já foram investidos R$ 34,7 bilhões, incluindo R$ 14,4 bilhões para o pagamento de indenizações individuais e R$ 2,7 bilhões em Auxílios Financeiros Emergenciais.
Mas diante de críticas sobre a não execução de algumas ações, e como havia o outro processo judicial tramitando, surgiu uma tentativa de repactuação, com mediação primeiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e depois do governo federal. No final do ano passado, a negociação foi suspensa porque os governos pediram pagamentos de R$126 bilhões, e as empresas acenaram com R$42 bilhões.
Procuradas,, a Samarco respondeu que não comentaria e a BHP disse que não foi intimada. A Vale respondeu que não foi notificada da decisão judicial, e acrescentou que cabe recurso. A companhia ainda reforçou "o seu compromisso em apoiar a reparação integral dos danos causados pelo rompimento e registra que, em cumprimento às disposições do TTAC, mantém os aportes feitos à Fundação Renova, entidade criada para gerenciar e implementar as medidas de reparação e compensação ambiental e socioeconômica".
Entenda a sentença
No início da sentença, o juiz Vinicius Cobucci afirmou que não cabia a suspensão da ação por causa da execução do Termo Transitório de Ajustamento de Conduta (TTAC) por se tratar de "matéria de ordem pública, que não se restringe ao acordo das partes". O juiz acrescentou que o acordo não representou o reconhecimento do nexo causal entre as ações e omissões no gerenciamento da barragem e o seu rompimento:
"O simples fato de não reconhecerem a responsabilidade pelo dano causado já implica ofensa à coletividade", destaca a sentença.
Em outro trecho, o juiz afirmou que o rompimento gerou "consequências socioeconômicas com impactos na coletividade por muitos anos. O impacto não se restringe às pessoas que moravam nas localidades atingidas. Gerações futuras serão afetadas. As comunidades foram impactadas em sua moradia, trabalho e relações pessoais. Pessoas foram mortas em razão do rompimento. Houve a degradação ambiental, com destruição da flora e fauna, o que inclui o sofrimento de animais. Houve perda da qualidade de vida".
Na definição do valor, justificou a aplicação de um entendimento presente em tribunais superiores, de se vincular a quantia de dano material ao de dano moral. Por isso, se baseou na informação prestada pelas empresas de que já teriam sido gastos R$47,6 bilhões em ações de reparação, auxílios emergenciais e indenizações.
Ainda assim, o juiz criticou os números de gastos, ao afirmar que nem todos recursos foram investidos em reparações, pois "há gastos muito questionáveis como os milhões de reais gastos em publicidade que, na verdade, aparentava contornos de uma campanha de marketing".
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