A CPI para intimidar o padre Júlio
Lancellotti tem tudo para se voltar
contra os bolsonaristas que a
propuseram
Em uma breve caminhada pelo Centro de São Paulo, é praticamente impossível não precisar desviar o trajeto nas calçadas, não apenas pelas barreiras físicas dispostas no caminho. A capital paulista concentra 24,8% da população em situação de rua do País, segundo recente pesquisa do Ministério dos Direitos Humanos. São cerca 53 mil cidadãos maltrapilhos e maltratados, que só podem contar com precários albergues ou a “cama de cimento” para pernoitar. Nesta cidade adoecida pela brutal desigualdade, o vereador Rubinho Nunes, do União Brasil, declara-se disposto a resolver o problema de vez, mas do jeito bolsonarista de fazer política.
Um dos fundadores do MBL, Nunes abandonou o movimento para apoiar a fracassada tentativa de reeleição de Jair Bolsonaro em 2022. O vereador atribui o crescimento da população em situação de rua e a persistência da Cracolândia à atuação de ONGs que prestam assistência aos desvalidos e dependentes químicos. Se não houvesse quem os alimentasse, certamente essa população não estaria mais lá, costuma repetir nas redes sociais. O segredo da mágica não está claro: seriam forçados a buscar alimentos em outro lugar ou a fome se encarregaria de eliminá-los da paisagem? Procurado pela reportagem, o vereador ignorou o pedido de entrevista e os questionamentos enviados à sua assessoria de imprensa. Seja qual for o truque, o ilusionista já elegeu um alvo preferencial: o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua.
Recentemente, o vereador anunciou aos quatro ventos ter coletado as assinaturas necessárias para a instalação da “CPI das ONGs”. Embora Lancellotti não tenha vínculos com qualquer uma das entidades mencionadas na justificativa para criar a comissão, Rubinho Nunes deixou claro que a investigação mira o líder religioso, frequentemente chamado de “cafetão da miséria” pelo parlamentar que se diz cristão. Autor de um projeto de lei que cria obstáculos para doações de alimentos aos desabrigados, o bolsonarista talvez não contasse com a intensa mobilização da sociedade civil em defesa do padre, a reunir personalidades como Fafá de Belém, Dira Paes e Glória Pires, além dos padres cantores Marcelo Rossi e Fábio de Melo. Diante da repercussão negativa, vários colegas retiraram as assinaturas pela CPI, como Thammy Miranda, que diz ter sido ludibriado pelo propositor. “Em nenhum momento foi citado o nome do padre no requerimento.”
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