Instituto Rio Patrimônio da Humanidade é deixado à míngua
Criado em 2012, órgão municipal só gastou R$ 38,9 mil este ano
RIO — Se nas áreas do Rio declaradas Patrimônio Mundial da Humanidade persistem ou se agravam antigos dilemas cariocas, o órgão da prefeitura incumbido de gerir o sítio reconhecido pela Unesco em 2012 enfrenta um esvaziamento de seu orçamento. Criado dias depois de o título ter sido chancelado, o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH) chegou a 2017 com uma dotação inicial de R$ 1,947 milhões. Mas, segundo dados do Portal Rio Transparente, a entidade teve seu orçamento atualizado e ficará sem um único centavo este ano. Até agora, de acordo com informações do site oficial da prefeitura, o instituto só pagou R$ 38.997,05 referentes a restos a pagar de exercícios anteriores. A autarquia já teve bem mais prestígio: em seu primeiro orçamento, em 2013, contava com R$ 7,504 milhões e, em 2014, pôde arcar com despesas de R$ 4,693 milhões (entre pagamentos daquele ano e restos a pagar).
Atual presidente do IRPH, Augusto Ivan não contradiz os números do portal do município. Ele afirma que, na atual administração de Marcelo Crivella, o instituto saiu do “guarda-chuva” do gabinete do prefeito e passou a ser subordinado à Secretaria municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação. Augusto Ivan diz que o pagamento de seus 60 funcionários, como historiadores e um arqueólogo, tem sido feito diretamente pela secretaria. Com recursos contingenciados, ele afirma que a prioridade agora é levar adiante a proteção do acervo arqueológico do Cais do Valongo, que se candidatou a Patrimônio Mundial pela Unesco.
— Este primeiro momento, de mudança de gestão, é de ajustes no município. Mas o orçamento (do instituto) tem que sair do zero. Até porque, no caso do Valongo, existe um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pelo prefeito, pelo Ministério Público Federal e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Nosso esforço tem sido para liberar recursos para o Laboratório Aberto de Arqueologia Urbana (Laau) para, além da preservação do material do Valongo, podermos ter um espaço para mostrá-lo — afirma Augusto Ivan.
OBRA DE BURLE MARX SE DETERIORA
Sobre a situação do sítio já reconhecido pela Unesco há cinco anos, o presidente do instituto lembra que alguns dos principais desafios da área extrapolam as competências do município, como a despoluição da Baía de Guanabara, que ele considera o grande desafio do Rio no século XXI. Entre as áreas incluídas no perímetro preservado, ele menciona a orla de Copacabana e o Aterro do Flamengo como as que têm uso mais intensivo pela população e que precisam de mais atenção. Em Copacabana, ele cita como pontos a equacionar o excesso de propaganda e o lixo deixado pelos frequentadores na areia.
Já no Aterro, ele reconhece que é preciso melhorar a segurança e a limpeza. Além disso, defende que o projeto paisagístico de Roberto Burle Marx passe por uma grande obra de restauração. Percorrendo das imediações do Morro da Viúva até as proximidades do Aeroporto Santos Dumont, o visitante mais atento percebe que, em muitos trechos, a obra do paisagista agoniza.
No entorno do Museu de Arte Moderna (MAM), os 4.600 metros quadrados do Jardim das Ondas, que deveria reproduzir com gramas escura e clara o desenho do calçadão de Copacabana, perdeu completamente a forma. Em volta dele, um buraco no calçamento que derrubou muito folião no último carnaval continua lá, intacto. O lago na lateral do museu está vazio, acumulando lixo. Enquanto que, em frente à construção, o chafariz está seco há anos.
O Rio é considerado um dos Patrimônio da Humanidade (na categoria Paisagem Cultural Urbana). Foto: Fernando Lemos /
Na outra ponta do parque, desde o fechamento de uma churrascaria que funcionava perto da foz do Rio Carioca, o entorno também perdeu muito de seu brilho. E, em todo o parque, o descuido com o paisagismo, tombado pelo Iphan, ainda convive com problemas como áreas transformadas em estacionamento de motoristas de Uber e táxi, perto do Santos Dumont.
— Não canso de admirar a beleza do Aterro. Quando estou estressado, olho esta paisagem, com o Pão de Açúcar ao fundo, e parece que tudo se resolve. Mas não dá para caminhar aqui alheio aos problemas. A violência até diminuiu com o Aterro Presente. Mas, lado a lado com a beleza, fica visível um certo desleixo — reclama a estudante Isabel Ferraz.
Ex-presidente do IRPH, o arquiteto e urbanista Washington Fajardo concorda que o Aterro e a orla de Copacabana são as áreas do sítio considerado Patrimônio Mundial da Humanidade mais críticas. Ele ressalta, por exemplo, que, enquanto grande parte da Floresta da Tijuca é gerida pelo Parque Nacional da Tijuca, esses dois pontos mais nevrálgicos têm governanças difusas. No caso do Parque do Flamengo, diz ele, são 18 órgãos diferentes para tomar conta do espaço. Em vez de ajudar, afirma Fajardo, isso atrapalha.
— Essas duas áreas deveriam ter uma governança dedicada, seja do governo ou da própria sociedade civil. No Aterro, existe o Instituto Parque do Flamengo. Em Copacabana, os próprios hotéis poderiam se organizar e cuidar da orla — diz ele.
Apesar de todos os problemas, no entanto, tanto Fajardo quanto Augusto Ivan ressaltam que o Rio, muito tempo antes de ganhar o título internacional da Unesco, já tinha uma preocupação com sua paisagem. Eles observam os tombamentos do Corcovado e do Pão de Açúcar, ou o reflorestamento da Floresta da Tijuca, no século XIX, antes devastada por fazendas de café.
— Essa paisagem só sobreviveu a custas de grandes esforços. E, se hoje a cidade é bastante protegida, é porque a população se importa com essa paisagem, apropriou-se dela como sua, na vida ao ar livre, no hábito de ir à praia... Sob esse ponto de vista, pode-se dizer que a cidade é privilegiada — afirma Augusto Ivan.
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