sexta-feira, 4 de agosto de 2023

RIO 21°

 

"Liberdade". Alício Ribeiro Santos.


Se, ao abrir a porta do avião recebi o bafo do verão carioca de 1971 como forno pronto a me devorar, neste último domingo de julho foi o frio que me surpreendeu e me obrigou a enfiar um agasalho. Mas qualquer que seja a temperatura, o Rio de Janeiro não é um constante deslumbramento?

A segunda-feira seria inteiramente dedicado a montagem da mostra “Expressões do Inconsciente” na Casa-Museu Eva Klabin, à beira da lagoa de Freitas. Para quem ainda não conhece este pequeno tesouro, recomendo uma visita demorada para viajar entre várias culturas ilustradas por peças de arte excepcionais.

Na terça-feira, técnicos resolveriam iluminação e etiquetagem.

Nada como uma equipe eficiente e entusiasta para trabalhar. Bastaram sete horas para poder apreciar minhas 27 obras de artistas psicóticos dignamente expostas a pouca distância dos anjos de Luca della Robbia e da Madona de Andrea del Sarto.

Aliás, nossa prima dona baiana Emma Valle não afirmava que sua obra, pela qualidade das tintas usadas, era tão imortal como Leonardo da Vinci e Michelangelo? Como previsível, as doze peças dela escolhidas para a exposição são a parte do leão do evento, três delas já expostas em Paris, Monte-Carlo e Rabat.

Quatro trabalhos do Alício Ribeiro Santos comprados na penitenciária Lemos de Brito, lembrando uma HQ, são como um hino à liberdade. O caseiro do Cabula, Raimundo Borges Falcão, levava um ano para confeccionar suas fantasias de carnaval com materiais reciclados. Duas delas estão no Folk Art Museum de NY. Escolhi quatro chapéus com temas marinhos. Eles enfeitam a elegante escada que leva ao auditório.

O escultor Joselito José dos Santos é de Cairu. Aí está o monumental Viúvas de Canudos, lembrando uma porta Dogon do Mali e O Grito, numa interpretação a anos-luz da famosa tela do norueguês Edvard Munch. Enfim, o misterioso Eternit que encontrei em 1980 no Terreiro de Jesus, quando me vendeu os três longos pedaços de compensado onde reinam os slogans publicitários da época e que foram expostos na Défense de Paris em 1987.

Completando o vernissage, um debate mais para bate-papo, entre mim, colecionador e curador, o museólogo do Museu Nise da Silveira Eurípedes Junior e o crítico de arte e psiquiatra Guilherme Gutman, com mediação da jornalista Leila Sterenberg. Sala cheia, como na Aliança Francesa, quando convidamos os psiquiatras Antônio Nery, Ana Pitta e João Medina. E, como aqui, cheia de um público conhecedor do assunto.

O presidente da fundação, José Pio Borges, ao abrir o debate, aproveitou o momento para anunciar que esta exposição, segundo evento do “Tríptico da Loucura”, iniciado com Arthur Bispo do Rosário, teria como terceira vertente a obra de Manuel Messias (1945-2001) o genial negro morador de rua.

Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, sábado 5 de agosto 2023

 

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