segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

REQUIEM PARA AMANDA


A morte é parte intrínseca de nosso quotidiano. Cada dia, jornais e canais de televisão descarregam dezenas senão centenas de mortes. Informações que nos emocionam por segundos antes de virarmos a página para outros dramas, outros bailes. Afinal, quem sou eu para querer reformar o ser humano que não sabe resolver seus problemas sem armas na mão?

Ao atravessar o Mediterrâneo ou o canal da Mancha sonhadores desaparecem nas ondas indiferentes. Perseguidos pelo ódio, mulheres, crianças e homens inocentes morrem nos escombros de Gaza ou abandonados por coiotes mexicanos nas fronteiras ianques. Bandos rivais e policiais matam nos subúrbios de Salvador ou do Rio de Janeiro, quando balas perdidas não atingem moradores nas suas camas. 

Numa noite de chuva, o noticiário da televisão mostrou um guarda-chuva atravessando a avenida deserta. De repente, o guarda-chuva desaparece, engolido por um enorme bueiro. Com ele também desaparecia um ser humano.


Amanda tinha doze anos. O vídeo amplamente divulgado nas redes sociais nos revela, no meio do cabelo farto, o sorriso imensamente luminoso de uma linda menina de traços bem nordestinos. Voltava da escola, apressada em se abrigar do temporal, feliz por voltar no seio familiar, tirar o calçado encharcado, comer uma sopa quentinha.

Um dia, talvez médica ou engenheira, sua primeira meta seria comprar uma casa para a mãe, ajudar nos estudos dos irmãos menores. Em nada diferente dos sonhos de tantos outros adolescentes dos subúrbios que tentam escapar da pobreza inicial para entrar numa sociedade mais justa.

O sorriso se transformou em terror por alguns intermináveis segundos até não ser mais que um corpo sem vida bamboleando nas águas turvas de uma noite de muita chuva.

Fatalidade? Não. Omissão criminosa dos poderes públicos. Não existe a mínima razão para este buraco na calçada não estar devidamente coberto. Afinal Dias d´Ávila é um município próspero. O Polo Petroquímico está lá em boa parte estabelecido. Quanto ganha o prefeito? Quanto ganham os vereadores? Quantas horas trabalham por semana? A segurança e o bem-estar de seus habitantes não deveriam ser a preocupação maior? Não tem uma secretaria para fiscalizar o estado em que se encontram ruas e passeios?

A prefeitura é inteiramente culpada, sim. Resta saber quantos anos as instâncias legais levarão para indenizar os familiares pela omissão vergonhosa. Resta também saber em quanto este assassinato será avaliado financeiramente pela justiça. Mesmo que nenhuma fortuna compense a morte de uma adolescente, esta é a mais óbvia forma de criminalizar os culpados pelo desleixo.

No município de Dias d´Ávila uma família vai passar um Natal de tristeza e desespero.

Choremos por Amanda.


Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, sábado 14 dezembro 2024

 

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