foto: dimitri ganzelevitch
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Paulo Ormindo de Azevedo
Lupicínio Rodrigues, o grande cantor da dor de cotovelo, adverte os moços sobre as ilusões do amor exemplificando com sua própria experiência. ”Esta mania que muito me custou/ pois só as mágoas que trago hoje em dia/ e estas rugas, o amor me deixou”. Não vou gastar minha tinta sobre esta dor, que cada um de nós já sofreu, mas sobre um outro tipo de mania que deixa muito mais mágoas e frustrações, o amor a si mesmo, o narcisismo.
Estes grilhões que nos escravizam que é a internet, além das fake news e a desinformação, transformou as pessoas em narcisistas. Nunca se viu tantas pessoas fazendo autorretratos (selfies) nos espaços públicos. Fazer selfies é também uma forma de chamar a atenção sobre si. Fotos que são descartadas no dia seguinte. Nos restaurantes, casais não mais conversam, apenas navegam na internet e se fotografam. Os pais dão aos filhos estas novas chupetas digitais para eles ficarem tranquilos. Por isso, é enorme o número de crianças e adolescentes míopes usando óculos.
A vida social foi substituída pela vida digital solitária, se é que podemos chamar isso de vida. Esse distúrbio grassa especialmente entre os jovens da geração Z, digital. A televisão, os videogames, os HQs e os emojis criaram uma cultura visual que vem extinguindo a linguagem oral e escrita. A imagem do corpo passou a ser o “capital” de muitas mulheres e homens, segundo a antropóloga brasileira Mirian Goldenberg.
O Brasil é vice-campeão mundial de cirurgias plásticas e harmonizações faciais homogeneizadoras, logo abaixo dos EUA com uma população maior e mais rica. O consumo de anabolizantes entre homens é enorme, provocando sequelas graves. Falsos aparelhos de ortodontia são vendidos pelos camelôs para os que não podem pagar pelos verdadeiros.
O narciso precisa atrair a atenção de outras pessoas a qualquer preço. Usam para isso tatuagens nos braços e pescoço, cabeleiras exóticas coloridas, mega hair até às cadeiras, piercings no nariz e lábios e botoques nas orelhas. Mas satisfazer o ego guloso não é fácil, diante da proliferação de tantos tatuados, argolados com botoques e piercings nos rostos. Na falta de olhares, se cria a frustação da “invisibilidade”.
Feud já disse que o narcisismo e a depressão são irmãos gêmeos, daí o alarmante número atual de suicídios de jovens, que o digam os sociólogos. “Se eles julgam que a um lindo futuro/ só o amor (a si mesmo) nesta vida conduz/ saibam que deixam o céu por ser escuro/ e vão ao inferno à procura de luz”. [...]. “Esses moços, pobres moços/ ah! Se soubessem o que eu sei [...] por meus olhos, por meus sonhos [...] é que eu peço a esses moços/ que acreditem em mim”. Quem avisa meu amigo é!
Grande Lupicínio Rodrigues, resistir às seduções da internet e às ciladas dos algoritmos só mesmo “com nervos de aço, sem sangue nas veias e sem coração”.
SSA: A Tarde, 13/04/2025
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