Fui demitida aos 55 anos. Como despedida, dei rosas a todos os colegas e deixei para meu chefe uma pasta com os resultados da auditoria secreta que eu vinha fazendo.
A voz de seu Roberto soava com aquela falsa doçura paternal que ele usava sempre que queria passar a perna em alguém.
Reclinou-se na poltrona de couro, juntou as mãos sobre a barriga e completou:
-A empresa precisa de uma nova energia, um olhar mais jovem. Você entende, não é?
Olhei para ele: o rosto bem cuidado, a gravata cara que eu mesma o ajudara a escolher para a última festa de fim de ano da empresa.
Entender? Claro que entendia. Os investidores já falavam em auditoria independente, e ele precisava se livrar da única pessoa que sabia de tudo: eu.
-Entendo -respondi calma-. A nova energia é a Camila da recepção? Aquela que confunde débito com crédito, mas tem vinte e dois anos e dá risada de todas as suas piadas?
Ele fez uma careta.
-Não é a idade, Helena. É que… o seu jeito é um pouco ultrapassado. Precisamos de um avanço, de um “salto”.
Esse “salto” ele repetia fazia meses. Eu havia construído aquela empresa com ele desde a primeira sala apertada e mofada. Agora que tudo brilhava, eu já não combinava com o cenário.
-Tudo bem -me levantei, gelada por dentro-. Quando devo esvaziar minha mesa?
Ele esperava lágrimas, súplicas, drama. O que encontrou foi tranquilidade.
-Hoje mesmo, se quiser. O RH já está preparando os papéis. A indenização vai estar toda certa.
Na porta, voltei-me para ele:
-Sabe de uma coisa, Roberto? Você tem razão. A empresa precisa mesmo de um salto. E eu vou providenciar isso.
Ele apenas sorriu, sem entender.
No salão, o clima era pesado. Os colegas desviavam o olhar. Minha caixa de papelão já estava ali, pronta. Fui guardando minhas coisas: a caneca favorita, as fotos dos filhos, revistas de gestão. No fundo, coloquei um ramalhete de girassóis que meu filho universitário havia me dado no dia anterior.
Então, tirei o que tinha preparado: doze rosas vermelhas -uma para cada colega- e uma pasta preta de elástico.
Passei pelas mesas entregando flores. Agradeci com voz baixa. Alguns me abraçaram, outros choraram. Foi como me despedir de uma família.
Só a pasta restou. Entrei no gabinete dele sem bater e deixei em cima da mesa.
-O que é isso? -ele perguntou.
-Meu presente de despedida. Aí dentro estão todos os seus “saltos” dos últimos dois anos. Com datas, notas e transferências. Vai achar… interessante.
Saí sem olhar para trás.
Às onze da noite o telefone tocou. Era ele.
-Helena… eu vi a pasta… você sabe o que isso significa?
-Sei muito bem. Não são suspeitas, são provas. Assinaturas, contratos, extratos bancários.
-Se isso vier a público, a empresa vai acabar…
-A empresa? Ou você?
Ofereceu-me o cargo de volta, até uma promoção. Ri:
-Não, Roberto. Não há volta.
Na manhã seguinte, quem me ligou foi André, o rapaz da TI.
-Helena, ele entrou no servidor de madrugada para apagar coisas. Mas eu fiz cópias espelho. Está tudo salvo. Inclusive e-mails de propina, transferências para contas no exterior…
Quase sentei no chão. Era o xeque-mate.
No mesmo dia, Camila, a tal “nova energia”, apareceu em minha casa com uma das rosas, já murcha, embrulhada num guardanapo. Estava chorando:
-Me perdoe, Helena. Eu não sabia… Hoje ele quis que eu assinasse um relatório falso para os investidores. Eu fiquei com medo…
Servi café, abracei a menina e pensei: até dentro da fachada dele já havia rachaduras.
Dois dias depois, seu Roberto apresentou carta de demissão “por motivos pessoais”. Os investidores não engoliram a desculpa. Uma semana depois, me chamaram:
-Helena, queremos você como diretora.
Voltei para a empresa. Nas mesas, as rosas que eu havia dado ainda estavam ali, secas. Os colegas bateram palmas. Levantei a mão:
-Chega de cerimônia. Temos trabalho. O futuro começa agora.
E foi nesse momento que entendi: me demitiram por ter 55 anos. Mas foi exatamente a minha idade que me deu a força, a paciência e a experiência para resistir, lutar e vencer.
A juventude estava ao meu lado. E agora aprendia comigo que até uma derrota pode se transformar numa vitória.

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