Exército afirma que restauro de imagem de Santa Bárbara foi feito por profissionais gabaritados
Segundo porta-voz, peça - que fica no Forte de Santa Cruz - está hoje como quando foi esculpida, no século XIX
RIO — A “plástica” que
transformou uma imagem de Santa Bárbara do início do século XIX numa peça com
aspecto de nova está no centro de uma polêmica. O trabalho de restauração da
estátua, que fica no altar principal da capela da Fortaleza de Santa Cruz da Barra,
em Jurujuba, Niterói, foi feito por uma equipe de preservação e conservação do
Museu Histórico do Exército, no Forte de Copacabana. O resultado foi
considerado malfeito e classificado até de “grotesco”. O Exército, no entanto,
rebate as críticas.
— Os
procedimentos de identificação histórica e higienização foram feitos. Quando
chegou na decapagem (que possibilita saber quantas camadas de tinta tem obra),
percebeu-se várias camadas de tinta. Como é padrão, optou-se por manter a
pintura original — explicou o Major Migon, porta-voz da Fortaleza de Santa Cruz
da Barra.
Uma dupla exposição de fotos, mostrada nesta terça-feira na
coluna Gente Boa, do GLOBO, revela as mudanças acentuadas em linhas e cores. E
aí reside a primeira crítica: restaurar uma peça, dizem os especialistas, é
restabelecer a forma original, e não torná-la nova.
— O que se vê é algo grotesco. Mais parece uma imagem de gesso
contemporânea. Em nada se parece com o que se fazia naquela época, no início do
século XIX. Era um período pós-barroco, em que os artistas buscavam uma
aproximação das imagens religiosas da figura humana, através de uma técnica
chamada de encarnação — diz o professor de história da arte e especialista em
arte barroca Elmer Corrêa Barbosa, que lecionou durante 40 anos na PUC. —
Usava-se, por exemplo, uma camada de gesso sobre a madeira, buscando a textura
e a tonalidade da pele verdadeira, e contas de vidro nos olhos. Era uma busca
pelo realismo. Dizia-se que a peça era “esculpida e encarnada”, de onde veio
inclusive uma expressão muito conhecida até os dias de hoje.
A Santa Bárbara modificada tem 1,73 metro e é feita em madeira.
O Exército, que não identificou os restauradores, diz que a imagem foi
recuperada para a festa do Dia de Santa Bárbara, em 4 de dezembro de 2011. Mas
as modificações só se tornaram conhecidas graças ao historiador Milton
Teixeira.
— É uma obra lindíssima, que conheço há 20 anos e deve datar de
1810. Estava em bom estado. Isso o que fizeram foi um crime. Descaracterizaram
uma peça histórica que, no máximo, precisava de uma limpeza — disse.
O acervo do Forte de Santa Cruz da Barra, que inclui estátuas,
canhões e obras de arte, não é tombado. O tombamento do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan), feito em 1993, abrange apenas a
edificação, uma das mais antigas do Rio, que data do final do século XVI.
Segundo a restauradora Cláudia Nunes, antes de se restaurar uma
obra, o procedimento padrão é limpá-la, fotografá-la e mapear os danos. Em caso
de danos mais graves, como lascas e descascados, faz-se a intervenção.
— A gente sempre tenta manter as características mais antigas da
obra. Com a ajuda da tecnologia, tenta-se ver se é possível restaurar o que
está por baixo. Restauração é uma ciência. Não é qualquer pessoa habilidosa e que
entenda de tinta que pode se aventurar a fazer — disse Cláudia Nunes.
Crítico e
historiador de arte, Carlos Roberto Maciel Levy — que recentemente apontou
erros graves no trabalho feito no quadro “A primeira missa no Brasil”, de
Victor Meirelles, do Museu Nacional de Belas Artes — alerta para a falta de
controle sobre o trabalho de restauração no Brasil:
— O grande problema é o anonimato. Estamos falando em
patrimônio. O anonimato é incompreensível e inconcebível. Além disso, os
órgãos, embora existam, não têm qualquer controle.
Em setembro, a restauração desastrosa de uma octogenária na obra
“Ecce Homo”, de Elias Garcia Martinez, em Borja, na Espanha, ganhou o mundo e
se transformou em viral na internet.
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