domingo, 12 de março de 2017

QUEM SE LEMBRA...

Quem se lembra dos espaços 
de socialidade?


Paulo Ormindo de Azevedo

Resultado de imagem para fotos de ruas com cafes na calçada
 
Ha alguns anos não vou a Europa, onde morei. Mas o recebimento de um vídeo de Montmartre, em Paris, me provocou uma catarse. As calçadas estavam cheias de mesas e seus usuários conversavam com moradores, tocadores de realejos e músicos. Poderia citar muitos exemplos europeus, mas prefiro os nacionais, como os calçadões de Copacabana, as vilas Madalena e Olímpia, em São Paulo, as orlas de Maceió e João Pessoa. 
Os nossos passeios são mesquinhos, mas tínhamos ruas comerciais de muita interação social e política, como a Rua Chile, e vias simples, mas integradoras, como a Baixa dos Sapateiros, cantada por Ary Barroso. Na Barra se fazia um animado footing e nos bairros as famílias colocavam cadeiras nos passeios para fofocarem e jogarem dominó. Tínhamos o ciclo das festas de largos e ruas, que começavam na Conceição e seguiam pela Boa Viagem, Lapinha, Ribeira, Rio Vermelho, Pituba e Itapuã. Nelas se encontravam os amigos para conversarem, comer, beber, batucar e cantar. Ali nasciam namoros, casamentos e separações. 
 Havia também as feiras de bairros, onde se encontravam os vizinhos, consumidores e vendedores e se provava a farinha, o camarão seco, a cachaça de rolha e as frutas. Essas seguiam o roteiro dos pequenos portos de saveiros: Ribeira, Lenha, Agua de Meninos, Rampa do Mercado, Preguiça, Barra, Rio Vermelho e Itapuã. Ainda recentemente grupos de músicos se reuniam aos domingos nas praças de Nazaré e da Madragoa para tocarem reunindo um grande número de vizinhos. Não cobravam nada, mas pelo que me informaram, a Prefeitura queria cobrar pela ocupação do espaço público. Nos países desenvolvidos, as municipalidades pagam e esses músicos que animam estações de metrô e praças. 
Quando defendo a humanização de nossa cidade, os cultores do concreto e dos viadutos me acusam de saudosista. Eles provavelmente não conhecem as feiras e mafuás de Nova York, Paris, Roma e Londres. Em São Paulo e no Rio continuam existindo feiras rotativas diárias e agora de charangas locais com apoio da prefeitura que fecha ruas para a sua realização. Por que esses espaços acabaram em Salvador? Pela falta de sensibilidade dos nossos edis, pela priorização do carro sobre o cidadão, pelo abandono das calçadas e shoppings excludentes. Desses espaços de socialidade apenas as praias, objeto de estudo de Thales de Azevedo, persistem, mas desprovidas de banheiros, chuveiros, sombreiros e quiosques de venda de água, refrigerantes e acarajés. 
Em todo o mundo, faixas de rolamento estão sendo transformadas em ciclovias e calçadões arborizados, incrementando a vida social, o comercio e os serviços. Aqui a “desurbanização” se faz com superfaturados e inúteis viadutos e elevados excludentes de pedestres, bicicletas e do verde. 

SSA: A Tarde, 12/01/2017 


P.S. – Estou aniversariando neste mês e a Academia de Letras da Bahia, a UFBA, o Dep. Ba do IAB e o CAU/BA resolveram me fazer uma homenagem, quando lanço o livro “A Memória das Pedras”, de contos e crônicas sobre arquitetura e urbanismo. Terei o maior prazer em receber os meus leitores de Salvador. Dia 16/03, às 18 hs, na ALB, Palacete Góes Calmon, na Av. Joana Angélica, defronte do Ministério Público da Bahia.

Um comentário:

  1. Comentar marcos, relembrar situações pitorescas, encontros fortuitos, lembranças que esmaecem, é fazer história. É brindar o seu EU, com sentimentos indeléveis.

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