quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

SARAPATEL


Ygor da Silva Coelho


Image may contain: food   Sempre tem alguém a me perguntar se é verdade o que escrevo nas minhas crônicas. Eu diria que em 95% dos casos tudo é verdadeiro. As inverdades são apenas os nomes que muitas vezes sou obrigado a trocar, ou omitir. 
Mas, na maioria das vezes, vai o nome verdadeiro mesmo.
Outros me perguntam de onde vem a inspiração? Vem do pitoresco do cotidiano que nos cerca, vem de um flagrante na esquina, do incidente numa festa...
Ontem, por exemplo o colega Antonio Nascimento me contava do dissabor de um sabor estranho. Dissabor do sabor... Ficou estranho isto, mas vou explicar. É um fato que pode acontecer com qualquer um, felizmente não foi comigo.
Nascimento foi convidado para a inauguração da varanda gourmet do apartamento de um amigo. Um quatro quartos, bairro nobre, andar alto, vista para a Baía de Todos-os-Santos, sonho de todos os baianos, uma conquista digna de comemoração.
Para comemoração deste tipo, que também é forma de agradecimento a deuses e orixás, o baiano gosta de celebrar com comida baiana. A iguaria baiana tem ritual, tradição, uma energia implícita apenas sentida num caruru, num vatapá, um acarajé, sarapatel... Riquezas de raízes africanas, misturadas a tradições portuguesas, que só recorrendo a estudiosos da cultura para explicar melhor.
E Nascimento, não por ser meio filósofo, mas porque é um gentleman, na hora do banquete comentava com a anfitriã:
- Amo a comida bem elaborada, já sinto o aroma me despertando sensações e lembranças que estavam na gaveta da memória. Eu volto a ser a criança de Rio Real com este cheiro... Vai ter sarapatel?
Na animada inauguração, clipe de Maria Bethânia cantando "Sonho Meu", papo descontraído, brisa de outono, foram servidos os manjares. Tonho Nascimento optou pelo sarapatel.
Abro parêntesis, eu mesmo não gosto de sarapatel. Tem um cheiro ótimo, mas é feito com víceras de suínos e não aprecio. Aliás, só como carne sem gordura e bem passada.
Nascimento, atraído pelo aroma do sarapatel, serviu-se fartamente. Desde os tempos de Rio Real não comia sarapatel.
Prato na mão, conversando amenidades com os amigos, verificou haver uma cartilagem na composição do sarapatel que não dissolvia, por mais que ele mastigasse. Fala-se que se deve mastigar 40 vezes uma porção antes de engolir. Nascimento mastigou umas 320. Lado direito, lado esquerdo. Tentou, tentou e nada. Pensou em engolir, mas pesquisador da Embrapa é um ser curioso por natureza. Colocou a cartilagem num canto da boca e esperou o momento de jogar na mão para conferir que parte do corpo do suíno seria aquela.
- Sirva-se mais, Nascimento! Dizia a anfitriã.
- Não tenha acanhamento, Tonho! Completava o amigo, dono da casa.
E Tonho com a cartilagem na boca, agradecendo com a língua "plesa", falando que nem Palocci, o italiano!
- Não. Estou satisfeito. "Obligado". Delícia!
Quando surgiu uma chance Tonho disfarçou, virou de lado e cuspiu na mão. Era um "band aid". Talvez um emplastro Sabiá. Pode ter caído do dedo ou do braço da cozinheira. Como ele mastigou muito já não tinha sinal de merthiolate. Para não devolver para o prato (já disse que ele é um gentleman), colocou o "band aid" no bolso! E, pleno de razão, dispensou a sobremesa!
-Cocada, Nascimento?
- Não, obrigado.
- Brigadeiro?
-Não, obrigado.
- Tem um profiterole all'italiana...
- Não, obrigado!

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