Detento chega à universidade, incentiva colegas de prisão a voltar a estudar e pede 'segunda chance'
Condenado por tráfico, Luís Gustavo está no 3º ano de direito e é um dos 12 reeducandos do sistema semiaberto de Bauru (SP) que frequentam o ensino superior fora do presídio. Nota do Enem é atalho para outros 400 detentos que estão nos ensinos fundamental e médio.
Por Sérgio Pais, G1 Bauru e Marília
Luiz Gustavo Galvão "puxou a fila" e foi o primeiro detento do regime semiaberto de aberto a chegar à universidade: "Quero ser um bom advogado" — Foto: TV TEM/Reprodução
Um movimento de interesse crescente pelos estudos vem atraindo nos últimos anos cada vez mais detentos dos Centros de Progressão Penitenciária (CPPs) de Bauru (SP), unidades que abrigam os presos do regime semiaberto.
A direção do CPP-1 festeja um número inédito no quesito educação: atualmente, 12 detentos deixam os muros do presídio todos os dias para frequentar aulas presenciais em universidades bauruenses.
Além disso, segundo João André Collela, diretor de Trabalho e Educação CPP-1, em dois anos o interesse pelos cursos fundamental, médio e superior aumentou em cerca de 50% na cidade.
Além dos alunos do ensino superior, mais de 400 detentos, em um universo de 5.572 presos nas três unidades, estão nas salas de aula: 185 estão cursando o ensino fundamental e outros 222 frequentam o ensino médio.
João André Collela, diretor de Trabalho e Educação CPP-1 de Bauru, número de universitários é motivo de orgulho para a unidade prisional — Foto: TV TEM/Reprodução
Do total dos atuais 12 universitários, nove conseguiram acesso ao ensino superior por conta da nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e também porque puderam concluir os ensinos fundamental e médio dentro das unidades prisionais, onde inclusive é aplicado o Enem.
“A gente percebe a mudança de ambiente num centro prisional que tem a educação como base. E quando a gente vê 12 detentos fazendo faculdade, ficamos com o sentimento do dever cumprido”, diz Collela, destacando que a reincidência no crime é muito menor entre os reeducandos que estudaram.
Condenado por tráfico internacional, Luís Gustavo Galvão já cumpriu seis anos no sistema fechado e outros dois no semiaberto. Ele foi o primeiro detento da CPP-1 a chegar à universidade e atualmente cursa o 5º semestre de direito.
Ele lembra que passou a se interessar pela educação depois de trabalhar na biblioteca do presídio, onde readquiriu o gosto pela leitura e, segundo ele, descobriu o poder transformador da educação.
“Na prisão tive tempo de pensar sobre meus erros e decisões e, quando cheguei ao semiaberto e tive a oportunidade, agarrei. Voltei a estudar, fiz o Enem, e cheguei à universidade, um sonho meu e da minha mãe. Quero me formar, ser um bom advogado e, quem sabe, ter uma segunda chance lá fora”, disse Luís Gustavo.
Na universidade onde estuda, o reeducando que inspirou seus colegas e seguir seu caminho em busca do ensino superior também ganhou uma oportunidade de trabalho. Ele é funcionário da lanchonete do campus local e por isso sai cedo do CPP-1 e só volta para dormir.
Depois de Luís Gustavo, outros detentos do CPP-1 já seguiram seu caminho e ingressaram na universidade. Um deles é Alexandre dos Santos, 36 anos, que cumpre pena por delitos como furto e assalto e atualmente cursa gestão de recursos humanos.
Com pouco mais de dois anos de pena ainda por cumprir, Alexandre já planeja usar seus novos conhecimentos no negócio no ramo de roupas que sua família mantém. “Devo sair daqui formado e isso [curso universitário] vai me ajudar bastante na administração do negócio da família. Depois de ter decepcionado meus pais, quero me redimir através da educação”, diz.
Redenção também é a palavra de ordem do ex-jogador de futebol Phelipe Sales de Almeida, de 35 anos, e que deve deixar a prisão no meio deste ano.
Phelipe Sales (à esq.) e Alexandre dos Santos (de vermelho) deixam o presídio para ir à universidade todos os dias: redenção pela educação — Foto: Sérgio Pais/G1
Ainda jovem, e com passagem por times como o Paraná Clube, o ex-volante admite que se perdeu e fez “bobagens” envolvendo-se em crimes de furto, porte de arma e receptação.
Agora, estuda educação física justamente para ficar próximo daquela que foi sua grande paixão, que parecia vocação, mas que, segundo ele, ficou apenas no sonho.
“Era bom de bola, tinha futuro nos gramados, mas aprendi com os erros. Vou sair daqui melhor do que entrei e louco pra conviver com Luíza, Luís Felipe, Joaquim, Isadora, Leonardo e Luca, meus seis filhos”, diz Phelipe.
“A gente percebe a mudança de ambiente num centro prisional que tem a educação como base. E quando a gente vê 12 detentos fazendo faculdade, ficamos com o sentimento do dever cumprido”, diz Collela, destacando que a reincidência no crime é muito menor entre os reeducandos que estudaram.
Nenhum comentário:
Postar um comentário