Sinto que estamos indo a lugar nenhum, e isso é um prazer.
John Cage
John Cage (1912–1992) foi uma figura proeminente no campo da música experimental norte-americana, a personagem de maior destaque da chamada Escola de Nova Iorque e seu mais prolífico escritor. Marco de mudança nas concepções estéticas, sua influência sobre gerações seguintes é inegável, não somente pela sua obra musical, mas também por seus escritos e, o mais encantador, pela sua personalidade.
Nesta série da Zumbido, além deste texto introdutório serão apresentados mais quatro textos falando de questões referentes a Cage: sua relação com a Escola de Nova Iorque, com a Música Experimental e a Avant-Garde, com o Zen Budismo, e finalmente sua discutida relação com o silêncio, que levariam aos sons não intencionais, à indeterminação e ao uso do acaso. Esses textos nasceram da tradução de uma seleção de textos de autoria do próprio Cage.
De gênio a charlatão, passando por enfant terrible, John Cage foi uma figura notória e arcou com muitos rótulos. Ainda assim, foi principalmente um compositor. Estudou áreas diversas e fez incursões pela micologia, pelo xadrez, pelas artes visuais e pela escrita — para benefício dos que querem compreender sua obra. Nos escritos, assim como na música, Cage de fato faz o que prega: explora a linguagem, faz poesia, cria palavras, usa o acaso e até rompe com a sintaxe. Ele dizia: “agora eu escrevo às vezes com sintaxe e às vezes sem”. Mas no Brasil, à exceção de De Segunda a Um Ano, traduzido por Rogério Duprat e revisado por Augusto de Campos, praticamente não há traduções.
Polêmico, às vezes até mesmo acusado de impostor, sobre Cage chegou-se mesmo a perguntar se o que ele fazia é de fato música, mas além de levar em conta sua formação como compositor (estudou com Cowell, Weiss e Schoenberg) e suas obras de um primeiro período anterior ao uso do acaso, reconhecidas e inclusive aplaudidas, também temos que considerar que seus métodos de composição e suas experiências não são infundados — há um embasamento para suas experimentações. Quando Cage começa a usar o acaso, as coisas se complicam do ponto de vista da análise e da crítica, e alguns críticos chegam a não mais considerá-lo músico. Se é que isto ainda precisa ser dito, não é esse o caso.
Alguns estudiosos dividem a obra de Cage em fases. Charles Hamm separa as obras, genericamente, em cromáticas; para dança, percussão e piano preparado; com influência do Zen e uso do I Ching e acaso; e de tape (fita magnética), teatro e indeterminação. Paul Griffiths divide os capítulos em estudos cromáticos, sistemas rítmicos (equivalentes ao que o outro autor classifica como período de percussão), e a partir daí em silêncio, “além da composição” — aproximadamente a partir de Music of Changes — e “além da música (e de volta)” — a partir de Variations I, de 1958.
Seria mais fácil e conveniente poder dizer que tudo aconteceu de forma linear, cronológica, com poucas superposições; que o Zen veio antes do silêncio, por exemplo. Porém, como nos períodos da História da Música, não é assim que as coisas acontecem na obra e no pensamento de Cage: uma ideia não é tanto causa de outra quanto na verdade concomitante, superposta ou complementar a ela. Se podemos marcar seus primeiros contatos com a filosofia oriental já em 1938, pelas suas próprias palavras não podemos atribuir somente a isso tudo o que veio depois; se em 1948 Cage já cogitava uma peça silenciosa, ela não se concretizou até 1952; se vemos o acaso como a porta para a inclusão de todos os sons, não podemos esquecer que em 1936 ele já se entusiasmara com o potencial vibratório de cada objeto, com os ruídos. Nesta série de textos, começo então pelo contexto da Escola de Nova Iorque e das distinções entre a Música Experimental e a avant-garde, passando então para a filosofia oriental, não por vê-la como causa, mas porque cronologicamente é um bom ponto de partida, e porque o Zen parece impregnar ou estar refletido em boa parte de peças e escritos.
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