Bolsonaro pode ter direitos políticos cassados e ficar sem salário do PL
Uma das hipóteses em caso de condenação é a
suspensão dos direitos políticos, impedindo o ex-presidente de exercer funções
no PL
Jair Bolsonaro pode ter os direitos políticos cassados(foto: Reprodução/AFP)
O uso indevido da TV Brasil e da estrutura do
Palácio da Alvorada na reunião com embaixadores em julho do ano passado pode
levar o ex-presidente Jair Bolsonaro a responder por improbidade
administrativa. Uma das hipóteses em caso de condenação é a suspensão dos
direitos políticos, impedindo o ex-presidente de exercer funções no PL.
Ao deixar Bolsonaro inelegível, a maioria dos
ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu que o encontro teve
motivação eleitoral, com desvio de finalidade no uso da estrutura pública,
tanto de funcionários quanto da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), que
transmitiu a apresentação ao vivo.
Uma das teses usadas pela defesa do ex-presidente no julgamento foi de que a
reunião não teve finalidade eleitoral, sendo apenas um ato de chefe de Estado.
A pena de inelegibilidade aplicada pelo TSE não impede o desempenho de funções
partidárias, mas sim de assumir cargos eletivos. Bolsonaro exerce desde abril a
função de presidente de honra do PL, com salário de R$ 41 mil.
Direitos políticos
Já a suspensão de direitos políticos, por outro lado, é uma punição mais ampla.
"Direitos políticos são prerrogativas atribuídas a uma pessoa que lhe
permitem participar ou influenciar em atividades relacionadas ao Estado
democrático, seja por meio do voto, do exercício de cargos públicos ou do uso
de outras ferramentas constitucionais e legais", diz o advogado Gustavo
Justino de Oliveira, professor de direito administrativo na USP e no IDP.
De acordo com a jurisprudência do TSE, a restrição atinge o desempenho de
atividades partidárias e de exercício de cargos de natureza política. Desde que
assumiu o posto em seu partido, Bolsonaro tem participado de atividades
políticas pelo país, e uma de suas metas é fortalecer seu campo político para
as eleições municipais de 2024.
"Embora o partido político seja uma instituição de natureza privada, sua
subsistência pauta-se, em alguma medida, no recebimento de recursos públicos, o
que contraria toda a lógica de se manter vínculo com alguém cujos direitos
políticos estejam suspensos", afirma a advogada Letícia Lacerda, membro da
Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).
A sanção é uma das hipóteses para quem comete atos de improbidade
administrativa previstos pela lei 14.230, de 2021, entre eles lesão ao
patrimônio por uso indevido da estrutura estatal. Para especialistas ouvidos
pela Folha, em tese, o ex-presidente pode ser enquadrado nessa prática.
Cabe ao Ministério Público Federal apresentar uma ação civil pública para que a
responsabilização aconteça, já que o evento à época foi realizado na estrutura
do governo federal.
Diferentemente do que ocorre na esfera penal, a Lei de Improbidade
Administrativa não prevê a possibilidade de prisão, mas punições como a perda
de função pública e o ressarcimento de prejuízos aos cofres públicos.
Também pode resultar em multa, perda de bens e proibição de assinar contratos
com o poder público.
Condenação
A advogada Vera Monteiro, professora de direito administrativo da FGV Direito
SP, destaca que a condenação requer, segundo prevê a nova versão lei,
comprovação de que Bolsonaro agiu intencionalmente --o chamado dolo.
"A lei foi alterada recentemente e para a condenação por improbidade é
preciso dolo. A Justiça comum precisa qualificar como desonestas as ações
tomadas pelo ex-presidente", diz.
Se isso for provado, ela acrescenta que caberá à Justiça definir se aplicará a
punição de suspensão dos direitos políticos e por quanto tempo, já que o prazo
varia de 1 mês até 12 anos a partir do momento em que todos os recursos
estiverem esgotados e a ação concluída, estendendo a inelegibilidade do
ex-presidente para além de 2030.
Os especialistas destacam, porém, que as ações por improbidade costumam se
arrastar por anos no Judiciário, e uma decisão rápida é vista como improvável.
A nova versão da lei, sancionada em 2021 pelo próprio Bolsonaro após
mobilização do Congresso, ampliou as hipóteses de prescrição, entre outras
flexibilizações.
O professor de direito administrativo da Faculdade de Direito da USP Vitor
Rhein Schirato afirma que é provável que haja novidades em relação a esses
processos ao longo do período de inelegibilidade de Bolsonaro, que é de oito
anos.
"Ainda tem uma disparidade enorme na ferocidade da sanção de autoridades
menores em comparação com ex-presidente, que até agora está saindo muito no
lucro diante de tudo que ele fez contra a administração pública contra o Estado
brasileiro."
Improbidade administrativa
O professor Oliveira (USP e IDP) acrescenta que há a possibilidade de enquadrar
Bolsonaro por improbidade administrativa em ao menos três dos inquéritos já
abertos contra ele na Justiça, citando as investigações sobre fraudes em
cartões de vacinação, apropriação de joias presenteadas pelo governo da Arábia
Saudita e o vazamento de investigação sigilosa da Polícia Federal.
Bolsonaro também pode ser condenado por mau uso dos recursos públicos junto ao
TCU (Tribunal de Contas da União). Em representação, o subprocurador-geral do
Ministério Público junto ao tribunal, Lucas Rocha Furtado, pediu uma apuração
de dano aos cofres públicos no contexto da decisão tomada pelo TSE.
Caso o processo seja aberto pelo ministro Bruno Dantas, presidente do TCU, a
próxima etapa deve ser a realização de uma auditoria das provas existentes e a
elaboração de uma recomendação, o que deve demorar pelo menos seis meses. A
partir daí é aberto o chamado processo de abertura de contas, dando ao
ex-presidente oportunidade para se defender.
Como mostrou a Folha, o entendimento em conversas reservadas em tribunais de
Brasília é o de que a mais alta corte eleitoral do país já decidiu que se
tratou de um ato ilegal de pré-campanha e que será difícil o TCU não tomar uma
decisão no mesmo sentido, determinando a devolução dos recursos públicos usados
na realização do evento.
O advogado especializado em direito eleitoral Alberto Rollo afirma que ficou
expresso na decisão do TSE que a reunião com embaixadores teve finalidade
eleitoral, apesar de ter sido realizada com recursos públicos. Se o TCU
entender da mesma forma, Bolsonaro terá que devolver esses valores.
Inelegibilidade
Já o efeito de estender a inelegibilidade do ex-presidente só deve acontecer se
provado que ele agiu de forma intencional, pois a Lei da Ficha Limpa fala em
contas reprovadas por irregularidade que "configure ato doloso de
improbidade". Caso o Tribunal de Contas decida de tal forma, Bolsonaro
também fica sujeito a inelegibilidade de oito anos, contados a partir da data
da decisão.
Ao TSE e em manifestações públicas, Bolsonaro e sua defesa negaram que tenha
havido alguma irregularidade na reunião promovida com embaixadores. O advogado
Tarcísio Vieira de Carvalho disse à corte que o encontro ocorreu muito antes do
período eleitoral e que o então presidente fez apenas colocações a respeito do
sistema eleitoral e sugeriu aprimoramentos.
A defesa ainda pretende recorrer da condenação na corte eleitoral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário