O pós-carnaval de 1971 foi, em Salvador, uma festa de luz e calor. Na sexta-feira de cinzas acompanhei o acadêmico Orígenes Lessa, eximo conhecedor de literatura de cordel, até o Grêmio Brasileiro de Trovadores, no Largo do Mocambinho, onde o imortal receberia merecida honraria das mãos de Rodolfo Cavalcante.
Hoje o
imóvel azul de estilo eclético virou estacionamento. Será que o vizinho
restaurante Porto do Moreira – onde ia me deliciar com uma moqueca de miolos -
que acabou de fechar, terá o mesmo destino? A elite cultural da Bahia chora a
perda.
Assim vão
minguando as peculiaridades de Salvador, abocanhadas pelo capital selvagem que,
em parceria com nossos prefeitos, destrói a memória debaixo do manto obscuro,
obsceno, da ganância deslavada. Por nossas bandas a palavra “Mecenato” não
passa de mero trampolim publicitário de curtíssimo prazo. Que o digam o Cinema
Glauber Rocha e cem projetos socioculturais. Onde estão os maravilhosos “Donos
do Mundo” do Alto de Coutos que tanto nos encantou no teatro do Acbeu,
destruído para mais um shopping? Salvo erro era patrocinado pela Gerdau.
O Mini-Cacique,
com quem tive por trinta anos uma longa história de gula e paixão, fechou antes
da pandemia, vítima de um vizinho poderoso que não hesitava em praticar dumping
com comida barata e ruim em ambiente “metido” para reinar solitário. Ainda
choro o cozido das sextas e a língua das terças. Se falasse do doce de leite,
me emocionaria.
Descendo a
ladeira do Taboão, não mais encontrarei o centenário Colón no seu elegante
casarão colonial, seu filé a parmegiana e seu bacalhau a martelo. Para onde
foram as antigas fotos de uma Salvador que vai desaparecendo a cada dia mais um
pouco, sob o olhar indiferente da mediocridade institucionalizada?
A pouca
distância, numa esquina do selvagemente depredado Mercado do Ouro, não terei mais
o raro prazer de saborear o melhor filé desta terra. Com aspecto de queimado,
chegava à mesa de toalha branca um tijolo de pouca sedução. Mas ao cortar,
aparecia uma carne macia digna do mais exclusivo wagyu de Tóquio. Fechou antes
da pandemia e os inúmeros adeptos passam a se lamentar pela porta empoeirada,
com ar de fim de civilização. E é mesmo do fim de uma Bahia mais civilizada,
menos imediatista, que se trata.
Não seria o
caso das diversas fundações ditas culturais tomarem alguma medida para manter
vivos estes estabelecimentos que são tão importantes quanto as baianas de
acarajé, a capoeira Angola ou as rodas de samba? Isenção de impostos,
valorização através das mídias e das secretarias de turismo, Sebrai/Senac,
ajuda econômica na manutenção das instalações e mobílias, mas sem a
burro-cracia que acompanha tradicionalmente qualquer intervenção institucional.
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