Era um museu triste.
Uma casa esvaziada de sua história e de sua mobília (a mobília é a verdadeira dona de todas as casas), e ocupada por hóspedes pouco à vontade naqueles salões.
Era um museu como os museus costumavam ser, e não são mais. Um museu que era a cara do Brasil, riquíssimo e carente, abundante e confuso. Uma espécie de museu possível, com iluminação deficiente e infiltrações nos tetos e paredes, refém do calor e da umidade que deveriam permanecer lá fora, nos jardins descuidados, junto dos animais ainda mais tristes do triste zoológico ao lado.
Tudo lembrava que um dia fora o palácio modesto de um Império pobre, habitado por uma corte sem luxos, com um imperador de casaco puído.
Havia a pesquisa, a produção acadêmica, mas isso ficava fora das vistas do visitante. A esses cabia se encantar com ossos, vasos, sarcófagos, colares, cocares, insetos - e relevar o resto.
Na última noite do museu - enquanto o Magnífico Reitor da UFRJ transferia a culpa para os bombeiros, e os talibãs tupiniquins comemoravam a destruição da Casa Grande, e candidatos de esquerda armavam palanque sobre o cadáver ainda fumegante da instituição para pedir votos - talvez fosse possível vislumbrar D. Maria, a louca, aos gritos pelos corredores em chamas, e Leopoldina tentando salvar os diários aos quais confiara suas dores, e Amélia beijando pela última vez a testa do enteado (“Adeus, órfão-imperador”), e múmias se desfazendo de suas ataduras e da esperança de ressurreição, e ânforas de Pompeia finalmente cumprindo sua sentença de morte na fogueira, e Luzia, nossa avó, refazendo com um cansaço ancestral sua jornada de volta ao antes da História.
Entre nuvens de borboletas, araras azuis, albatrozes e tucanos – mortos pela segunda vez -, a imperatriz Teresa Cristina terá visto, de novo, sumir o chão aos seus pés, como quando o marido, Pedro, trouxe para dentro daquela casa a amante Luísa, Condessa de Barral. Outro Pedro terá tentado escapar, escoltado por lagartos, besouros e pterossauros, para junto da Marquesa de Santos, pelo túnel (lendário) que lhe teria facilitado tantas fugas noturnas.
Como em Hiroshima, onde se manteve o esqueleto calcinado da Prefeitura, ou em Berlim e Lisboa, com igreja e convento perpetuados em ruínas, talvez se devesse deixar o Paço de São Cristóvão tal como amanheceu hoje – alvenaria coberta de fumaça - numa espécie de memorial do descaso, até sermos capazes não só de construir, mas de preservar o construído.
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