terça-feira, 22 de setembro de 2020

A TEMPESTADE DO PORCO

 GUERRA DO PORCO 

DIVIDE ISRAELITAS


A Tempestade do Porco’. Era este o título da edição de terça-feira do principal matutino israelita, ‘Yediot Aharonot’, para resumir a controvérsia gerada no país pela decisão emitida no dia anterior pelo supremo Tribunal suspendendo a proibição de vender produtos derivados do porco nas localidades de Beit Shemesh, Tiberias e Karmiel.


A disputa jurídica começou em 2001 quando Olga Palay, a proprietária de uma mercearia na primeira daquelas localidades, decidiu recorrer aos tribunais perante a intenção das autoridades municipais de a obrigar a transferir a sua loja – onde era vendida carne de porco – para a periferia. O assunto encerra um especial simbolismo, uma vez que reflecte a profunda divisão ideológica entre judeus ortodoxos e seculares.
IMPURO PARA O JUDAÍSMO
Em 2001, quando a batalha judicial acabara de despontar, o semanário ‘The Jerusalem Report’ já advertia que o caso era mais do que “um simples desaguizado sobre onde vender salsichas. É uma luta pelo carácter do país”.
O diferendo em redor da venda de carne de porco – um animal impuro para o judaísmo, cuja criação é ilegal na maior parte de Israel – remonta quase ao início do Estado e suscitou sempre um acalorado debate. Em 1985, o dirigente radical Meir Kahane lançou um ataque incendiário no Parlamento contra os judeus seculares precisamente pela sua “fraqueza” perante a carne de porco.
Kahane recordou que na época dos macabeus o primeiro judeu a ser assassinado “foi um que tentou comer porco” e, ainda por cima, ameaçou os restantes com “terror e tragédia”. “Sem Tora (escrituras sagradas do judaísmo) não haverá paz. Os porcos tomarão o controlo do país e mandarão na terra”, afirmou.
Em Beit Shemesh, a sudeste de Telavive, a população está dividida entre ortodoxos e judeus de origem russa, como Palay. “Os imigrantes russos pensavam que tinham deixado para trás um país totalitário para viver numa sociedade aberta e capitalista. Este é um princípio básico: o direito de vender o que queremos e onde queremos”, afirmou Palay ao ‘The Jerusalem Report’.
COMERCIALIZAÇÃO
A opinião do advogado do município, Mordechai Berkovitz, é diametralmente oposta. “As pessoas religiosas não deveriam estar expostas à visão do porco quando seguem pelo seu bairro a caminho do médico”, afirmou. A decisão do tribunal, impressa num documento de 26 páginas, segue a legislação estabelecida em 1956, que habilita os municípios a decidir sobre o assunto.
A resolução adverte que deve ser permitida a comercialização destes produtos nas localidades onde a maioria o exija e, onde estiverem em minoria, os adeptos do presunto devem ter um meio de transporte à sua disposição para aceder a outros bairros onde podem ser adquiridos os ditos produtos.
“Num bairro religioso, não (se pode vender porco); num bairro secular, sim”, resumiu o ministro do Interior de Israel, Abraham Poraz. O titular da Justiça, Tommy Lapid – cujo partido, o Shinui, foi um dos impulsionadores da petição ao tribunal – explicou que não está a tentar “que as pessoas comam carne de porco. Lutamos pelo direito das pessoas comerem aquilo que lhes apetecer”.
A reacção dos partidos e movimentos ortodoxos não podia ser mais furiosa. A organização Tzhoar assegurou num comunicado que a decisão “abre as portas a uma guerra civil”, enquanto o principal líder do partido Shas, o deputado Eli Yeshai, afirmava que se tratava de “golpe profundo na identidade judaica do estado de Israel”. Outros, como o também deputado ortodoxo Meir Porush, preferem invocar a reprovação celestial, ao declarar que “os sábios determinaram que aquele que criar porcos em Israel será amaldiçoado”.
No mesmo tom apocalíptico, o deputado Gila Finkleshtein, do Partido Nacional Religioso, comparou o sucedido com “a destruição do Templo. O Supremo está a destruir todos os símbolos judaicos”.

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