sexta-feira, 11 de setembro de 2020

DIVINAS EMPADAS


DIVINAS EMPADAS

Como todo gourmet, me dá prazer pesquisar as diferentes formas de preparar a mesma receita. Em Paris dos anos 60, costumava correr, com a persistente cumplicidade de minha velha amiga Claudine, de uma pastelaria a outra somente para comparar os “babas au rhum”. Muito mais tarde, chegamos ambos a conclusão que nenhuma casa supera o babá (Sfogliatella) no minúsculo balcão de Mary na entrada da galeria Umberto I em Nápoles. Mais tarde pularíamos de metrô em ônibus na louca esperança de resolver a difícil tarefa de eleger a melhor sorveteria da capital francesa. É assim que fomos entre os primeiros em adotar Bertillon, na ponta da île Saint-Louis, outro modesto balcão que deixava uma longa fila de fregueses abrigados debaixo dos guarda-chuvas. Hoje, acho que os sorvetes de Laporte, junto a igreja de São Francisco, em Salvador, são superiores. Tudo isso para confessar que tenho, ultimamente, pesquisado o bem brasileiro hábito de preparar empadas. Na verdade, é neste país-continente que foi levado ao clímax a arte de fazer massa podre. A partir deste terreno comum, não é qualquer cozinheiro que consegue colocar o recheio ideal. Uma amiga digna de crédito indicou-me dois endereços em Salvador. Na antiga lanchonete Savoy, no Relógio de São Pedro, quase me engasguei com algo que mais parecia gesso, mas a preço de caviar. Dias depois, ao sair do laboratório onde mando revelar minhas fotos no Comércio, resolvi adentrar a “Empada carioca” mesmo sabendo que se trata de comida industrializada. Para minha surpresa, me deliciei com uma empada de camarão e queijo para uns modestos R$2,60.
Mas é na Praia do Forte, pelas artes de mãos argentinas no Café Tango que encontrei a sublimação desta receita. Só por este pretexto, vale a pena ir até o paraíso criado pelo Klaus Peter.
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SOBRE QUEIJOS 

Quem gosta de queijo vai poder passear pelos tabuleiros cheirosos (perfumes que nem todo mundo gosta) e conhecer algo mais sobre queijos. Mas se trata de uma análise bastante incompleta, faltando dúzias de importantes queijos franceses, portugueses, ingleses etc.  Tem que haver um começo para tudo...


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Amado ou o tiro pela culatra

O mês de agosto foi ocupado por uma operação charme de 40 restaurantes. Festança a preços amigos: R$29,90 por pessoa. Fui almoçar com dois amigos no belo Amado. Saiu quase a 50 petecas por cabeça para três pratos artisticamente apresentados, mas praticamente vazios, com copinho de água mineral e café. Meus 3 nhoques não passavam de purê de batatas com molho de tomate aguado e como sobremesa, reconheci o mesmo bolo de rolo que costumo comprar no aeroporto de Recife. Duas fatias mal cortadas com um pingo de creme de leite. Sendo lamentável contrapropaganda, o tiro acaba saindo pela culatra. Ai, que saudades do Mini-Cacique!    


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Durante algum tempo, até a Gazeta Mercantil encerrar sua publicação em Salvador, tive a incumbência de assinar uma coluna quinzenal de crítica de restaurantes. Foi uma bela, mas espinhosa experiência.
Numa terra onde 90% dos que possuem uma parcela de poder são primos ou compadres, criticar objetivamente um serviço comercial, especialmente quando dedicado à difícil tarefa de agradar o paladar, não é sinecura nenhuma, podem acreditar!
Quando convidado para esta coluna, coloquei umas condições básicas para enfrentar o desafio. O jornal teria que pagar, além de meu pró-labore, a conta da refeição para duas pessoas e eu não poderia nunca revelar minha identidade antes de pagar a conta. Questão de ética. Evidente? Nem tanto para quem conhece o submundo das mídias.
Resolvi começar pisando em ovos e na ponta dos pés. Para tanto, escolhi o “Chez Bernard”, restaurante que julgava acima de qualquer suspeita. Reservei, na véspera, a mesa em nome de fantasia e lá fui eu, acompanhado de uma amiga jornalista da Gazeta. Era uma terça-feira, por volta das 13 horas. Estranhamos haver só outra mesa ocupada por quatro pessoas, que, mais tarde, se revelaria sendo o dono da casa e família. A última vez, uns dois anos antes, que sentara numa mesa junto à bela vista sobre a baía, fora em companhia de Leonardo Matias, então embaixador de Portugal em Brasília, Jorge Calmon, Samuel Celestino e outras pessoas de destaque, grupo do qual fiz parte naquele dia pela única razão de ser muito antigo conhecido do diplomata lusitano.
Bem, para encurtar a narrativa, o almoço foi, do começo ao fim, um desastre. Até água suja com detergente encontramos nos escargots! Salvou-se, boiando na catástrofe, a gentileza do velho garçom e a aconchegante decoração.
Paguei, justamente aborrecido, e fui redigir minha primeira crítica gastronômica. Mesmo tentando aparar as arestas, meu texto foi corrosivo e sua publicação levantou protestos, não somente da direção do “Chez Bernard”, mas até do próprio chefe de redação do jornal. Este me telefonou, muito nervoso, com o curioso argumento: “Você não pode escrever este tipo de crítica”! Retruquei com certa indignação que crítica é crítica e que, se era para fazer simples propaganda, teríamos que rever os termos do acordo, já que, para mim, o respeito é antes de tudo para com o leitor, se o restaurante é ruim, nada vai me convencer a escrever o contrário etc.
A direção-mor sediada em São Paulo tinha, felizmente, outra filosofia de jornalismo. Mandou ordem de trégua e, a partir deste momento, pude redigir da forma que melhor me pareceu. Elogios para o Paraíso Tropical, para o Galpão, e entusiasmo para o Soho. Restrições para o Trapiche Adelaide. A respeito deste estabelecimento, um conhecido que trabalhava no Liceu de Artes e Ofícios, me alertou da fúria de uma senhora da diretoria ao ler a critica sobre o “Tudo branco” da Avenida Contorno, prometendo mandar a Gazeta me demitir. Não fui demitido e, pelo que ouvi li na imprensa há poucas semanas, o restaurante está em vias de fechar. Mesmo assim, teve vida longa. Salvador não tem, até hoje, nenhum verdadeiro crítico gastronômico. Teve, no máximo, cronistas que se aproveitaram da boca livre para se empanturrar, geralmente na companhia de amigos oportunistas. Esta carência impede qualquer possibilidade de parâmetros. Sem crítica, os restaurantes ficam à mercês dos modismos, sempre passageiros. Análise embasada e sem paternalismo é indispensável contribuição para melhorar o padrão de qualidade dos restaurantes na Bahia.                                     
Salvador, 10 de outubro de 2009


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Rangos e biritas (Veja Salvador)

Se as sociedades arcaicas apreciam evoluir entre marcas do passado, as emergentes preferem o anonimato asséptico da contemporaneidade, mais adequado a suposta inutilidade de referências culturais e históricas. Pois é... Vivemos tempos cada vez mais imediatistas e consumistas. Esta e outras reflexões pouco primaveris são fruto de minha presença no lançamento da Veja Salvador em amplo e banal espaço perto do Hospital Sarah Kubitscheck. Não acredito que este confortável galpão leve assinatura de arquiteto famoso. Para tão modesto resultado um mero engenheiro era mais que suficiente. Precisando de sanitário, fui obrigado a andar por uns 50 metros, até encontrar a porta cobiçada, quase fora do imóvel. Quantos participantes nesta feira das vaidades? Talvez uns seiscentos. Os modelitos, sempre dois tamanhos abaixo do ideal, as camisas sociais MM, os ternos brilhosos e as fantasias africanizantes compunham um quadro tão divertido quanto folclórico. Mais uma vez a papesa dos eventos sociais escolheu a banalidade comestível como parâmetro de uma festa que celebraria Comes e Bebes Soteropolitanos. Se o espumante espanhol em nada incomodou os aventureiros, a ciranda de salgadinhos tampouco provocaria tumultuosos entusiasmos. Tudo com sabor a papelão. Exceto, no balcão do café Três corações uma bandeja de deliciosos pasteis de Santa Clara que sumiu misteriosamente antes do ataque, abandonando ás multidões umas trufas com gosto de enterro.
Finalmente chega o momento das coroações-corações palpitantes. Na cadência surda de um bate-estaca impiedoso, locutores se revezam para anunciar os vencedores na noite. Dá para todos. Desde a cocada até o bar pra paquerar, passando pelo som ao vivo e o suco de frutas. Podemos falar, lógico, em enchimento de lingüiça. Não sei se da Sadia ou da Perdigão. Ganham os Doces Sonhos que para mim são indigesto pesadelo, perde o melhor sorveteiro, aquele que o grande chefe apache chama para seus eventos seletos, embora, por razões bizarras, tenha dado, ano passado, seu voto para as coloridas bolas da Ribeira. Perde também o mais corajoso cozinheiro “daterra”, mais uma vez castigado por ter o templo-restaurante nos Cabulas em vez da chiquérrima orla. Como sempre a escolha dos melhores estabelecimentos depende da escolha dos jurados, que raramente têm os melhores paladares. A alongada cerimônia termina por uma alongada fila INSS, para pegar, com a nova edição desta bíblia passageira, 250 gramas de café. Não disse que era dia de festa?


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A Perini não é mais a mesma. Se, na batuta do galego, sempre foi longe da perfeição, longe mesmo, agora que ostenta bandeira chilena está mais para GBarbosa que para Fauchon. Domingo desses, não achei iogurte natural (sem químicas com gosto a morango ou pistache). Também não achei talharins frescos e a manteiga sem sal estava quase inacessível na gôndola. E as iniciativas de apresentação são um desastre estético. Cada vez mais com cara de supermercado de província.

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Na rua Ruy Barbosa (Mini-Cacique)

Tivéssemos outros governantes, a rua Ruy Barbosa seria bastante mais atraente. Mas nem o rebanho de vereadores confortavelmente instalado bem no meio dela se preocupa. Quem por lá passa não se lembra de detalhar o casario, mas lhes digo: vale a pena deter-se na descoberta da rua. Começa por um imenso painel de Carybé e uma belíssima farmácia homeopática, terminando pela muy nobre casa de Ruy Barbosa.
É a rua dos antiquários mais tradicionais da Bahia. Lustres, jóias, cristaleiras, espelhos, porcelanas, armários centenários, altares barrocos e curiosidades coabitam sem preconceito com cópias de móveis coloniais e laliques argentinos. Um dia, talvez, teremos os fundos do Museu do Negro, com entrada pela rua do Tesouro. Reparem naquela pietà, curiosamente colocada nas alturas. Não tem ares de Michelangelo? Bem, olhando de longe...
O mais famoso sebo de Salvador reina absoluto no princípio da rua. Mas cuidado. Ao pedir o preço de algum livro usado, você será avaliado por olhar perspicaz antes de ouvir a resposta. Ruelas e vielas a cortam, umas subindo, outras descendo desvairadamente, como a ladeira do Berquó que abriga a magnífica sede do Iphan. Como gostaríamos que os belos painéis de azulejos deste solar fossem acessíveis a visitação pública!
Por hora, como já é meio-dia, não vamos deslizar ladeira abaixo, mas penetrar na casa da esquina, n° 29, casa do princípio do século XIX, cujos donos tiveram o cuidado de manter, na medida do possível, o aspecto original. Dans son jus. Trata-se de um dos mais deliciosos restaurantes da cidade que, prova de qualidade, existe há mais de quarenta anos. Um casal a antiga responde pela hospitalidade, o cardápio e a extrema higiene dos espaços. Don Luiz, galego com muita honra é o RP do restaurante e a redondinha Karina, baiana da gema, tudo controla por trás de seu balcão enfeitado de grinaldas.
  
Se o patrão é um sorridente bon-vivant que muito aprontou até poucos anos atrás, a patroa, olho sempre bem aberto, é exímia artista, como bem provam as pinturas espalhadas pela casa. Outros colegas ofereceram obras, em legítima prova de apreço. Emanoel Araujo, que costuma aqui almoçar, sempre com chapéu na cabeça e sua corte ao lado, foi o mais generoso. Foi e continua sendo. Outros fizeram questão de figurar nas paredes, como Calazans Neto, Mario Cravo, Ademir Martins, Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Justino Marinho, Ieda Maria, Luis Jasmim e Cesar Romero. Antigas fotos do centro de Salvador completam o sabor histórico e cultural do Mini-Cacique.
Mas a arte maior está no cardápio, encruzilhada de três culinárias: baiana, portuguesa e espanhola. Alguém ainda não ficou convencido? Então, por favor, vá conferir! Nas minhas freqüentes investidas no local, contento-me com os pratos do dia, de preços muito razoáveis e fartura fugindo de qualquer intenção nouvelle cuisine.
O que costumo comer? Língua e rabada. Você não acha chique? Paciência. Eu quero é comer o que me agrada e os dois extremos bovinos são uma festa para meu paladar. Já na sexta-feira, dia mor da casa, gente fazendo fila, minha gula hesita entre lulas com batatas e arroz de polvo, ambos preparados pelo maestro Don Luiz. Não acredito que haja, no Porto, Compostela ou São Paulo, chefes que possam com ele rivalizar.
Se a adega de vinhos nunca foi notável, assim mesmo é possível encomendar um honesto tinto português Periquita, bem melhor que o costumeiro “carrascão” servido nas tascas de Lisboa. Como nunca dispenso sobremesa, quando tem, vou direto ao doce de leite, preparado pela própria artista.
Único senão, o cafezinho que ainda não acompanhou a evolução da sociedade. Mas nada que seja dramático. É só subir até outro sebo, o Berinjela, na rua da Ajuda, para saborear um bom expresso e futucar nas prateleiras para outro nutriente, o do intelecto.
Se bem que tão boa refeição como aquela também é coisa para ocupar a cabeça... E aqui, neste sebo, os livros têm preço a lápis escrito na contracapa.

                                                            Salvador, 21 de setembro de 2010.

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Esta é a receita francesa caseira de se preparar uma quiche. Se tiver outros ingredientes, perderá o nome de quiche para  ser torta. De queijo, de cebola, brócoli, peixe etc.

Preparar uma massa podre:
10 colheres de farinha de trigo3 colheres de sopa de óleo
1 ovo
Um copo de água
Sal.
Deixar descansar durante 2 horas
Colocar numa forma preparada com manteiga
Cobrir com papel alumínio
Colocar uma colher de arroz ou feijão para tirar a humidade
Forno até estar cozida.

Entretanto
Cortar bacon em pedacinhos
Levar em água até ferver
Cortar presunto em pedaços (+ ou – 50 gramas)
Misturar com o bacon
Acrescentar
4 ovos
4 colheres de creme de leite
Sal e pimenta
1 colher de leite misturada com 1 colher de farinha de trigo

Quando a massa está pronta, tirar o papel alumínio, colocar o recheio e deixar no forno por 20 minutos



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Queridos amigos (Chez Bernard),

Azar vosso, aquele de sair durante um feriado prolongado das tormentas do Rio de Janeiro para mergulhar nas chuvaradas de Salvador, desmistificando as oliudianas imagens da Bahiatursa... Depois do suco de acerola em minha casa, aturando a barulheira festiva do quartel dos fuzileiros navais lá no Pilar, resolvemos investigar as divulgadas excelências de um velho restaurante, agora sob nova gerência.
Nos anos 70, havia três restaurantes franceses em Salvador: “Chez Suzanne”, “Chez Bouillon” e “Chez Bernard”, os três à beira-mar plantados ou, pelo menos, com vista privilegiada sobre as águas de Tomé de Souza. Com o passar dos anos, sobrou o “Chez Bernard” que foi mudando e mudando, com mais baixos que altos, até ser comprado por uma poderosa, poderosíssima multinacional. Sofreu total renovação, é hoje o must de toda a alta estrutura administrativa da dita empresa e objeto de desejo dos colunáveis. Que, como vocês sabem, mutáveis, estão sempre atentos aos cliques da fama, mesmo efêmera.
A expressão “chez” indica, em terra gaulesa, uma culinária tradicional, burguesa e familiar, em ambiente sem grandes sofisticações, porque o essencial é o que está no prato. Você já sabe, antes mesmo de entrar no estabelecimento, o tipo de cardápio, de adega e de preço que lhe espera.
Não é o caso do restaurante do qual estamos agora falando. Decoração caprichada e banal com seus eternos tons clean, branco e bege, e obrigatórias fotos e gravuras parisienses em P/B, ambiente que pode ser ótimo para a Casa Cor, mas não anima o apetite. Sentamos a uma mesa de pé central. Pelos vistos, mesa de quatro patas não é chique. Vocês se lembram do desconforto? Apesar da pretensa classe, não há definição do papel do maître. Não existe diálogo com as costumeiras sugestões, tudo banha em gentil anonimato. O cardápio dos vinhos aparece antes da escolha da refeição e mais: chega por cima de minha careca, aparecendo de súbito, como num passe de mágica, embora haja espaço suficiente para apresentar o dito de forma mais corriqueira, como, por exemplo, a tradicional, do lado esquerdo.
Chegam os tira-gostos ou amuses-gueules que os franceses geralmente evitam. Nada a declarar, nada mesmo. Ao servir os filetes de badejo e truta salmonada, apreciamos o capricho do prato. O tempero é fino e original, mas os peixinhos passaram, e muito, do ponto. Hoje não se aceita mais um peixe que não tenha firmeza. Diria al dente. Alguns restaurantes europeus não hesitam em sugerir o rose à l´arête ou seja, ainda levemente rosado junto à espinha central. Momentaneamente afastado, por ordem médica, dos prazeres de Baco, só me foi dada a doce má consciência de molhar os lábios com um tinto, escolhido por você, Chico, servido um pouco abaixo da frescura ideal. Ainda somos, você e eu, da geração que aprecia o vinho tinto à temperatura ambiente, especialmente quando a sala é regiamente varrida pelo ar condicionado. No fim do almoço, nossa querida Christiane recusou a sobremesa, mas você e eu resolvemos dividir uma crême brûlée. Ela nos foi servida quente na parte de cima, mas fria no fundo. Congelador+micro-ondas. Que pena!
Como vocês falaram, e concordo em absoluto, o atual “Chez Bernard” é quase um grande restaurante.
Grande abraço
                                                                       Salvador, 11 de outubro de 2009.

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John-John in Bahia

Por duas vezes tinha ouvido comentários elogiosos do restaurante John-John no Comércio. Com o amigo Bruno em véspera de retorno a Paris, resolvi verificar a fama.
Espaço pequeno, mas bem resolvido, de ambiente agradável e serviço atencioso, o cenário estava perfeito para saborear uma boa refeição. A expectativa acabou rapidinho.
O carneiro veio quase frio, pouco e mal acompanhado com aipim palha frio e duro e cuscuz sem graça. O filé mignon ao molho de café e cogumelo, com raquítica apresentação “nouvelle cuisine” fora grelhado quase “a inglesa” como eu tinha pedido, com curioso molho onde, entre grãos inteiros de café – ótimo para os dentes - até apareceu boiando um pedaciiiinho de cogumelo. .Gosto de beber uma taça de vinho durante as refeições. Hábito cultural. Mas ao chegar aquela carta (?) de praça de alimentação com vinhos desconhecidos acompanhados de literatura imbecil de enólogo da Perini tipo “Um leve e sutil aroma aveludado de frutas vermelhas e rosmaninho” comecei a afundar em deprê. Me levantei para contemplar as tortas. A informação obtida com certa dificuldade foi que aquele negócio branco era Chantilly mesmo, feita no restaurante “mas com clara de ovo batida para segurar”. Pelo visto, não sabem fazer chantilly. Desisti. Resignado, acabei comendo uma mousse de chocolate com, talvez, não mais de 20% de cacau. Mas o cafezinho estava correto. As duas refeições custaram R$88,00.

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A melhor defesa...

O baiano, já sei disso há mais de três décadas, não gosta de crítica. Tem medo dela. Minha teoria sobre este assunto é muito simples: resquício da escravidão agravado por vinte anos de ditadura. A expressão “briga de branco” é sintomática. Enquanto “eles” brigam, o cara abaixa a cabeça e deixa a tempestade passar. Sairá ileso. Aparentemente.
Um restaurante do Comércio, incomodado com minha crítica – realmente a comida foi para lá de ruim – resolveu me atacar, o que é, como todos sabem, a melhor defesa. Usou de uma curiosa arma: as esporádicas tables d´hôte que providencio na minha casa. Não declara que minha comida é abominável, o que seria perfeitamente possível, mas que as jantas estariam “com serviço incompleto”. Entenda se puder, eu não alcancei o significado. E, para estocada final, declara “Não tem nada que preste para o senhor”.
Não é bem assim, meu amigo John (é a forma que ele assina).
Em matéria de restaurantes soteropolitanos adoro o Soho, o Paraíso Tropical e o Boi Preto. Amo o Mini-Cacique, o Porto Moreira e o Juarez. E as pizzas da Casa da Roça. Na verdade aprecio quem é profissional e não tenta me enrolar com sofisticações sem embasamento. Você quer mergulhar na Nouvelle Cuisine? Tudo bem. Mas terá que começar pelo essencial: a longa e dura aprendizagem, banhada em modéstia, muita modéstia, nas cozinhas de vários restaurantes, começando por descascar batatas e lavar a louça até chegar a chefe.
Mas em parte este senhor tem razão: há poucas coisas que, para mim, realmente prestam, nesta sociedade de consumo imediatista que vive de aparências e ilusões, de marketing e jogo de cintura. Os tais falsos diamantes da Elis Regina. Esta sim, sabia o que é qualidade.
Compramos camisas com botões mal costurados, calças com tamanho errado, manteiga com data vencida, TV que pifa após o segundo mês, o kilo de arroz vem com 983 gramas, o carro novo terá recall na semana seguinte. Sorte sua se ainda estiver com vida e inteiro. Você acha normal? Pois eu não.
Então, quando um restaurante afirma que o negócio branco lá na torta é chantilly mesmo, sendo que, pelo aspecto pouco convincente, insisto no questionamento até ouvir que, realmente, tem clara de ovo “para segurar”, só tenho escolha entre duas hipóteses: ou não sabem como se faz chantilly – falta de profissionalismo – ou estão tentando me enganar. Falta de ética profissional.
Em contrapartida, o amigo John está autorizado a esclarecer o significado do tal meu serviço incompleto. Faltou o cafezinho? Lamentável erro meu... Apareça de novo em casa, se é que, realmente, já esteve. Ofereço-lhe outro, caprichado, e um bom papo também, para aliviar as tensões. Quem sabe a gente acaba concordando? Afinal, somos todos falíveis. Você com sua cozinha, eu com meu serviço “incompleto”.

Salvador 26 de outubro de 2010

P.S.- Olhe a coincidência: a revista Muito acaba de publicar uma bela matéria sobre os três restaurantes mencionados: O Porto Moreira, O Juarez e o Mini-Cacique! 29 de novemro de 2010.



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Melou no Carmelo (Convento do Carmo)

E Deus – que é brasileiro - criou Kaká, com a missão de correr muito e falar o menos possível. Para não ficar sozinho fazendo coisas feias, o garoto foi obrigado a extrair uma costeleta, sem anestesia porque esta seria inventada anos-luz mais tarde e por um ateu. Doeu pra caracas, mas como poderia recusar se o Eterno, sentado nas nuvens, era tão parecido que nem se sabe quem era clone de quem? Do osso sangrento nasceu a Xuxa. 10 X 0 no programa do Silvio Santos. Mal cortou o cabelo todo melado, deu a louca na moça. Se achando uma pré Luz del Fuego, pegou a primeira jibóia que passava com jenipapo na boca e, se contorcendo toda, convenceu o bicho a deixar provar. 

O resto do dramalhão vocês conhecem. Nosso inferno começou a partir da abominável fruta da idiota da cobra. E ninguém nunca perdoou ao bicho que não tinha culpa no cartório. Dali a considerar a gula como pecado capital foi um passo. Vem o minimalismo românico, o obscurantismo medieval. De repente, o tsunami da Renascença invade igrejas e catedrais. No Vaticano a farra é geral, irrestrita. Nos conventos, as freiras inventam guloseimas para cardeais e arcebispos. Os frades se empanturram.
E um belo dia chega a empresa Pestana no convento do Carmo, all hand made in Bahia. “Somos da terra do vira e do corridinho, gula não é mais pecado, vocês nem sabem o que estamos aprontando para as multidões em delírio. Nos aguardem. ”
Foi assim, sem tirar nem pôr, que tentei, em vão e pela última vez, perder minha alma na mesa do restaurante do santo claustro. Pra inicio de conversa, afundamos numa poltrona, queixo rente ao tampo da mesa mais para altar. Jantamos com os braços ao nível das orelhas, parecendo morcegos. Cada mesa, uma vela, devidamente protegida por globinho de vidro. Todas apagadas. Afinal, com ispotis lá no teto, vela acesa poderia parecer coisa de retirante. Chega um cara com cara e disfarce de pingüim. Solene, apresenta a carta dos vinhos. Pelos vistos a formação deste pessoal ficou no básico. Não se escolhe vinho antes de maturar a composição do rango, meu jovem! Bem... Vamos ao essencial, que da Ceia dos cardeais nada lembrará.
De verde, o caldo não tem nada. É um caldo bege, com sabor a bege. Defina como bem entender. Depois, nos metem debaixo do nariz um fundo prato cheinho de sal grosso. Algum tipo de despacho, penso eu? Pouco católico... No meio, mal assentada, uma pequena cuia entupida de algo que se revelará massa de construção colonial, mas que era para ser um vacalhão às natas. A cada uma das três garfadas ensaiadas, a cuia inteira fica grudada ao belo talher. Na quarta, abandonamos a luta. Ingenuamente aguardamos, ansiosos como naufragados agarrados ao roliço tronco, o redentor toucinho do purgatório. Sob forma de tijolo, aparece algo que tem consistência de tijolo e sabor de gesso adocicado. Esquisito, né? Mas afinal, a reforma da casa já terminou ou ainda não terminou?
Quando você pensa que os três pedidos são o corriqueiro de qualquer cozinha portuguesa burguesinha desde Traz-os-Montes até o Algarve!...
Perdemos as três batalhas e ao receber a conta, perdemos a guerra. Uma bomba atômica! Sem pestanar... digo pestanejar, pagamos um exagero de zeros à direita e saímos titubeando de raiva silenciosa do magnífico convento transformado em cenário cafona de Traviatta de província.
Salvador, 21 de novembro de 2009


HISTÓRIAS SOBRE VINHOS
Consta, que certa noite, muitos anos atrás, um homem entrou com a namorada no restaurante Lucas Carton, em Paris, e pediu uma garrafa de "Mouton Rothschild", safra de 1928.
O sommelier, em vez de trazer a garrafa para mostrar ao cliente, traz o decanter de cristal cheio de vinho e depois de uma mesura, serve um pouco no cálice para o cliente provar.
O cliente leva o cálice ao nariz para sentir os aromas, fecha os olhos e cheira o vinho.
Inesperadamente, franze a testa e, com expressão muito irritada, pousa o copo na mesa, comentando rispidamente:
- Isso aqui não é um Mouton de 1928!
O sommelier assegura-lhe que é. O cliente insiste que não é.
Estabelece-se uma discussão e, rapidamente, cerca de 20 pessoas rodeiam a mesa, incluindo o chef de cuisine e o gerente do hotel, que tentam convencer o intransigente consumidor de que o vinho é mesmo um Mouton de 1928.
De repente, alguém resolve perguntar-lhe como sabe, com tanta certeza, que aquele vinho não é um Mouton de 1928.
- O meu nome é Phillippe de Rothschild - diz o cliente, modestamente - e fui eu que fiz esse vinho.
Consternação geral.
O sommelier, então de cabeça baixa, dá um passo à frente, tosse, pigarreia, bagas de suor escorrem da testa e admite que serviu na garrafa de decantação um Clerc Milon de 1928, mas explica seus motivos:
- Desculpe, mas não consegui suportar a idéia de servir a nossa última garrafa de Mouton 1928. De qualquer forma, a diferença é irrelevante.
Afinal o senhor também é proprietário dos vinhedos de Clerc Milon, que ficam na mesma aldeia do Mouton. O solo é o mesmo, a vindima é feita na mesma época, a poda é a mesma, e o esmagamento das uvas se faz na mesma ocasião, o mosto resultante vai para barris absolutamente idênticos. Ambos os vinhos são engarrafados ao mesmo tempo. Pode-se afirmar que os vinhos são iguais, apenas com uma pequeníssima diferença geográfica.
Rothschild, então, com a discrição que sempre foi a sua marca, puxa o sommelier pelo braço e murmura-lhe ao ouvido:
- Quando voltar para casa esta noite, peça à sua namorada para se despir completamente. Escolha dois orifícios do corpo dela muito próximos um do outro e faça um teste de olfato. Você perceberá a sutil diferença que pode haver numa pequeníssima diferença geográfica...




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