domingo, 23 de janeiro de 2022

THE CRACK-UP

Armando Avena



Um dia, Francis Scott Fitzgerald, um dos maiores escritores americanos, entrou em colapso. Ele, que queria ser simplesmente “o maior escritor do seu tempo”, cujo livro “Este Lado do Paraíso”, vendeu, inacreditáveis, 50 mil exemplares em 1920; que foi o autor mais bem pago do seu tempo, e encarnou o espírito da riqueza, vivendo nababescamente com sua princesa Zelda na Côte d’Azur, surpreendeu-se imerso na mais profunda depressão. Era de se esperar, Scott gastava seu dinheiro numa velocidade muito maior do que aquela com que acumulava, bebia como um ralo de banheira e suas crises o impediam de trabalhar. Além disso, sua bela princesa era esquizofrênica, um abutre no dizer de Hemingway, e infernizava sua vida e a de seus amigos e ainda necessitava de milhares de dólares para custear suas internações.
“O Grande Gatsby “, um belíssimo romance que voltei a ler na pandemia e que o poeta T.S Eliot afirmou ter lido três vezes, parece ter sido uma espécie de premonição, no qual Scott demonstra cinicamente que o American Way Life era uma mentira, que o sonho de uma vida nababesca podia se transformar em pesadelo e que de nada adiantava o dinheiro e a riqueza quando o destino tomava as rédeas da vida. O cinema, que Scott cortejou antes de morrer, só vai reverenciá-lo após a sua morte quando Robert Redford (e depois Leonardo Di Caprio) encarna Gatsby enquanto Mia Farrow dá vida a Dayse.
Fitzgerald viveu como um príncipe na Riviera Francesa, morou em uma mansão maravilhosa em Cap d’Antibes, onde dava recepções semelhantes às de Jay Gatsby e parecia ter concretizado o sonho de ser um “successful literary men”. Mas o alcoolismo estava à espreita e a tiragem dos seus livros caía vertiginosamente. De volta aos Estados Unidos, ele vê a miséria rondar sua vida e, ciente de que não há mais esperança para sua amada Zelda internada em uma clínica psiquiátrica, entra em colapso. Foi então que escreveu The Crack-up, que traz um terrível vaticínio: “Ao que tudo indica, viver é desmoronar progressivamente”.
Nessa pequena obra prima, Fitzgerald afirma que os golpes que nos derrubam mais espetacularmente, os golpes repentinos que vêm, ou parecem vir, do exterior passam, às vezes sem deixar vestígios, mas, aquele golpe que vem do interior, aquele em que se percebe que é tarde demais para remediar, esse, sim, revela que você nunca mais será o que era antes. Cioran, o filósofo romeno, diz, nos seus “Exercícios de Admiração”, que em Crack-up Fitzgerald descreve a sua ruína compondo um depoimento perturbador, uma espécie de “temporada no inferno” de um romancista. Depois Scott sai da depressão, mas, como diz Cioran, é como vencido que vai para Hollywood escrever roteiros para cinema. E é em Hollywood, novamente em busca do sucesso, que vai morrer aos 44 anos de um ataque cardíaco fulminante.
Publicado no jornal A Tarde em 21/01/2022

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