quarta-feira, 19 de abril de 2017

LISBOA, AO CONTRÁRIO DE SALVADOR...

2500 anos a partir pedra para se chegar à calçada de Lisboa



A exposição Debaixo dos Nossos Pés conta diferentes momentos 
da evolução da cidade através das múltiplas técnicas, materiais, 
formas, composições e cores usadas para pavimentar a cidade 
desde o século V a. C. até à atualidade
Nasceu como um projeto pessoal de investigação da arqueóloga 
Lídia Fernandes e a partir de hoje, às 18.30, fica disponível para 
o público na forma de exposição que no Torreão Poente, na Praça 
do Comércio, conta a história da cidade através dos pavimentos 
que a foram revestindo, desde a Idade do Ferro até à atualidade. 
E, dentro de alguns dias, Debaixo dos Seus Pés - Pavimentos 
Históricos de Lisboa ganhará ainda a forma de monografia que 
sintetiza todo o conhecimento acumulado nesta área.
"As soluções de pavimentação da cidade de Lisboa são tão variadas,
 tão distintas entre si e a forma como se podem relacionar com as 
épocas que as suscitaram que foi nascendo esta ideia de criar uma 
espécie de corpus sobre os pavimentos da cidade", contextualiza a
 também coordenadora do Teatro Romano, um dos núcleos do 
Museu de Lisboa.


A primeira sala é dedicada à geologia da cidade de Lisboa porque 
"é a riqueza geológica da cidade que permite a obtenção de 
matéria-prima para a realização da sua pavimentação", assinala 
a arqueóloga Jacinta Bugalhão, outra das comissárias da exposição. 
Um pedaço de calcário com fósseis de conchas e um fuste da época 
romana esculpido nesse material e no qual são visíveis alguns fósseis
 é um dos exemplos de matéria-prima que se encontram nesta sala. 
Uma carta geológica da região de Lisboa e alguns fósseis completam
 a informação.
Argila, um dos materiais que nessa carta geológica se pode ver que 
existe em grande abundância, é precisamente o que serve de 
matéria-prima para os primeiros exemplares de pavimento, datados
do século V a.C. que surgem na sala seguinte. Um pedaço desse 
pavimento, oriundo da zona do Castelo de São Jorge, mostra como 
a argila era sujeita ao fogo, ganhando um tom mais vermelho e maior 
resistência, depois de aquecida com fogo. Logo ao lado, um 
revestimento com seixo colado, numa reconstituição do existente 
no Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros, 
dos séculos V/IV a.C. Logo à entrada desta sala, tal como depois
 em todas outras, um breve texto explica o contexto histórico e 
cronologia dos achados em exposição e um mapa situa esses mesmos
 achados bem como outros vestígios da mesma época.
No terceiro núcleo, destaque para a época romana com alguns 
exemplos de revestimentos mais decorativos, e outros de cariz mais 
prático, como o opus signinum, feito de pedaços muito pequenos de 
argila com argamassa, tornando-o mais resistente e impermeável. 
No espaço seguinte, dedicado à Idade Média, apesar de "estarmos 
num ambiente social e cultural distinto [do da época romana], mais 
fechado, existem linhas de continuidade - continua a usar-se o 
revestimento cerâmico e surge um sucessor do opus signinum, feito 
com argila, cal e areia que misturado cria uma argamassa bastante 
compacta, aumenta a resistência", explica Jacinta Bugalhão. 
Destaque ainda para um vídeo com a reconstituição do pavimento da
 Capela de Santo Estêvão, do claustro da Sé de Lisboa - "um dos 
poucos do século XIV que restam na cidade", evidencia 
Lídia Fernandes.


Um quadro do pintor holandês Dirk Stoop (1615-1686) que revela o
 aspeto do Terreiro do Paço em meados do século XVII (com 
o modelo ali mesmo a um olhar pela janela) é o pretexto para se 
falar da Lisboa do século XVI e da Rua Nova (ainda antes de ser 
dos Mercadores) e do facto de ter sido mandada pavimentar por 
D. João II por granito vindo do Porto. "Um dos impostos em vigor 
obrigava os barcos que aportavam à cidade a trazerem como lastro 
pedra", diz Jacinta Bugalhão. "Há vários documentos que atestam 
esta questão. Mas em termos de conhecimento arqueológico, nunca 
foi encontrado qualquer pavimento granítico em Lisboa. Há de haver 
uma explicação, só ainda não a encontramos".
Segue-se um núcleo em que, devido à introdução do automóvel, 
se procura novas soluções, como a criada pelo engenheiro escocês 
John McAdam e que aqui surge exemplificada com os vários níveis 
de pedras, das maiores para as menores, tal como ainda hoje se faz. 
Mas sem a aplicação do alcatrão. Uma solução que, explica Lídia 
Fernandes, foi muito contestada na cidade, sobretudo pelas senhoras
 que não gostavam da poeira que se levanta quando passavam com 
os seus longos vestidos.
A calçada portuguesa ocupa o último núcleo, onde se mostram 
moldes em madeira dos desenhos depois transpostos para o chão, 
estudos e instrumentos utilizados pelos calceteiros.
"Tudo isto é uma evolução por tentativa e erro, e pela documentação
 consultada, e que foi muita, houve muitas tentativas de 
pavimentação da cidade, muitas mais do que se pode imaginar, 
e até épocas muito recentes. Por exemplo, no final do século XIX, 
as discussões que existiam na Câmara Municipal entre os vários 
vereadores sobre a tentativa de eleger um tipo de pedra para 
pavimentar a cidade, eram discussões extremamente acaloradas", 
sintetiza Lídia Fernandes.

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