terça-feira, 25 de abril de 2017

AS MÁSCARAS DE MARCELO ODEBRECHT

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Raul Moreira


Confissões e delações à parte, até porque elas serão debatidas ad infinitum, o que chama a atenção na veiculação dos vídeos de Marcelo Odebrecht no âmbito da operação Lava Jato é justamente a transformação da sua expressão, algo que nos faz lembrar, no sentido inverso, outro Marcello, o Mastroianni, protagonista do filme O Estrangeiro (1967), de Luchino Visconti, adaptação fidedigna do romance homônimo de Albert Camus, lançado em 1942 e que retrata o absurdo da condição humana.
Não que o caso de Marcelo Odebrecht se assemelhe ao drama de Arthur Meursault, vivido por Marcello Mastroianni, um colono franco-argelino, um pied-noir, que é julgado e condenado à morte por assassinar sem motivo aparente um cidadão árabe, no período em que a Argélia ainda era colônia da França.
Na verdade, para além dos delitos, o que une Marcelo Odebrecht ao personagem vivido por Marcello Mastroianni são as “máscaras” que eles carregam, as quais revelam sentimentos que causam estranhamento em um mundo que gosta de julgar a partir de determinados preceitos, como aqueles da cultura judaico-cristã.
Na trama de O Estrangeiro, Meursault é condenado não por matar um árabe, mas, sim, porque, no funeral da mãe, foi incapaz de chorar, chegando a fumar cigarros e, logo depois, foi à praia, ao cinema e ainda fez amor com a namorada, fatos que chegaram aos ouvidos da promotoria. No julgamento, assim como na cadeia, à espera da execução, ele carrega a mesma expressão de sempre, a expressão da incredulidade, do não acreditar em Deus e no gênero humano, tanto que é acusado de misantropia.  
Já o outro Marcelo, o Odebrecht, que é personagem do horror da realidade, mostrou-se um homem de duas faces ao ser acuado.  A primeira foi o semblante da arrogância, há coisa de dois anos, quando foi preso pela Polícia Federal, empáfia que manteve por longos meses, como se viu em alguns depoimentos. Depois, veio uma nova máscara, mais suave e a qual aparentemente reflete não a condição de um arrependido, mas a de um jogador que aposta as últimas fichas em uma partida que pode lhe garantir a liberdade, bem precioso que ele passou a valorizar depois do encarceramento.
No entanto, sendo solto ou não, ainda que poucos acreditem que ele continue preso após delatar, a verdade é que Marcelo Odebrecht capitulou. Sim, o até então “Senhor do Brasil”, o “príncipe”, ocupação que o seu pai e saudoso avô ostentaram por longos anos, virou um sapo ao se defrontar com um adversário que não podia ser comprado com os seus potes de ouro.
À parte a promiscuidade entre o público e o privado, fenômeno que reflete a natureza do País, até porque o Brasil é o paraíso da concentração de renda, desde a chegada dos portugueses, a derrocada de Marcelo Odebrecht, que leva junto um sistema político podre, simboliza o desconstruir da soberba de um mundo que é regido pelas questões de poder, pela força do dinheiro, um fausto que talvez se perpetue até o fim dos tempos, mas que, em determinado momento, tem que prestar contas com o diabo.
Sim, ao vê-lo ali, com sua oratória parca e uma expressão que revela pobreza de espírito, de alguém que não trafega minimamente pela subjetividade, muitos se questionam como ele forjou o seu espírito, em que fontes bebeu, pois o seu traço mais marcante era, ou é, a prepotência, algo que certamente deve atormentar o seu pai, Emílio, que deve se perguntar, sem moralismos, “Onde nós erramos?”.
Há quem diga que Marcelo Odebrecht é vítima de uma engrenagem muito maior, algo intrínseco ao ser humano, desde que o mundo é mundo. Isso porque, a fantasia de poder, que muitas vezes transforma-se em realidade duradora, até ir ao chão, como comprova a história, é avassaladora e, no ímpeto, na adrenalina, o acometido não enxerga o limite: o neto do saudoso Norberto, o patriarca, que se livrou da vergonha ao morrer antes do escândalo, foi um deles, levando junto um mundo de cúmplices, os mesmos que passaram a negá-lo, como se ele fosse um leproso.
A derrocada de Marcelo Odebrecht, o arrogante, simboliza a desconstrução de um inteiro país, das engrenagens primárias do seu capitalismo ao seu sistema político, do seu pacato povo aos meios de comunicação, passando pela Justiça, enfim, o Brasil é um doente que, finalmente, parece inclinado a se reconhecer como tal. Se não o fizer, pode virar um zumbi, um corpo sem alma, como muitas vezes deixou a transparecer o personagem de Camus em O Estrangeiro, com um detalhe: ele não fazia questão de esconder quem era.
Então, se a transformação vier, se a idade adulta chegar, se as máscaras forem ao chão enlameado, nos restará apenas à dor da existência, aquela que Albert Camus preferiu chamar de absurdo da condição humana. Aliás, Marcelo Odebrecht, aproveitando sua estadia nos porões de Curitiba deveria dar-se ao clássico de Camus O Homem Revoltado, leitura que certamente o faria refletir sobre os crimes de paixão os crimes de lógica.


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