Artista põe Metro de Lisboa em tribunal por retirar azulejos do Martim Moniz
Pela foto de um amigo, Gracinda Candeias deparou-se com a sua obra “pela metade”. Metro de Lisboa diz não ter conhecimento da retirada dos painéis e vai “analisar a situação”. A caminho, está já uma acção em tribunal.
Há 20 anos, a pintora Gracinda Candeias inaugurava os painéis “com milhares de azulejos” que fizera para as paredes do átrio da estação de metro do Martim Moniz, em Lisboa. Era um dos artistas convidados pela administração do Metropolitano para dar novo ar às paredes das estações do metro da capital. Tem naquele painel quatro anos de trabalho. Hoje diz que pouco lhe pertence: "Naquela estação jamais vou pôr os pés".
Uma parte da obra foi retirada para a colocação do actual posto de informação do metro e uma loja, no átrio da estação. Os azulejos existentes nessas paredes já lá não estão e a artista de 70 anos garante que a administração da Metro nunca a contactou. Foi surpreendida com as fotografias de um amigo, em Fevereiro deste ano, que mostravam a sua obra “quase pela metade”.
Iniciou a 16 de Março uma petição pública a exigir uma resposta da administração da Metro, com quem tentou entrar em contacto, e uma tomada de posição contra o que diz ser “uma agressão à arte”. No final desta segunda-feira, a petição tinha mais de 690 assinaturas. A artista prepara-se para apresentar uma queixa-crime por destruição da obra e violação dos direitos de autor. "E não abro mão da indemnização”, garante.
A administração da Metro disse ao PÚBLICO, num primeiro momento, não ter “registo de qualquer demolição ou destruição dos painéis artísticos em causa”. Enviadas novas questões, o Metropolitano indicou, por escrito, que está “a analisar a situação descrita" e está "disponível para esclarecer junto da artista quaisquer informações que se considerem relevantes”. O PÚBLICO aguarda resposta sobre a data em que foram retirados os azulejos.
A empresa diz ter, “desde sempre, um compromisso em valorizar e preservar as intervenções artísticas nas suas estações”. Acrescenta que sempre que são necessárias intervenções, "sempre que possível" é feita a "preservação das obras" que, por vezes, são recolocadas noutro local da estação. Este processo é “habitualmente do conhecimento dos artistas envolvidos”, lê-se na resposta enviada. A administração garante que, “em caso de remoção", as obras são preservadas, em “condições de preservação adequadas em armazéns que dispõe para o efeito”.
Em causa estão os painéis instalados em 1997, pintados à mão em tons pastel, com motivos históricos. "Existe, neste átrio, uma parede sem azulejos que se mantém intacta. Porque não colocar o que for necessário nessa parede?", interroga Gracinda Candeias.
“As pessoas não imaginam o trabalho”
Em Junho de 1994, a artista, vencedora do Prémio Pintora do Ano em 1982 e do Prémio Carreira “Mac/99” em 1999, foi convidada pelo Presidente do Conselho de Administração do Metro, Zófimo Consiglieri Pedroso, para revestir com vários painéis murais as paredes do átrio da estação de metro do Martim Moniz.
“Isto só em Portugal, o país dos brandos costumes: convidam, pagam e depois destroem”. Gracinda Candeias apercebeu-se do ocorrido no passado mês de Fevereiro. “Fiquei doente. Durante dois meses praticamente não saí de casa”, conta.
À sua frente, na secretária de casa, estão agora pilhas de capas. Há dezenas de fotografias de três anos de trabalho na fábrica, na Viúva Lamego. Os assistentes, os projectos, os painéis completos e as correcções. “As pessoas não imaginam o trabalho que isto dá”, confessa.
Fez um ano de pesquisa antes de ir para a fábrica. Estudou o Corão, foi a Marraquexe fotografar a caligrafia árabe, visitou ganadarias, casas de fados. No final, tinha na cabeça um painel de azulejos onde estavam representados, de forma iconográfica, três tempos históricos. Há um painel mourisco inspirado na grafia árabe (onde se lê “Marrocos, Lisboa e Portugal” em árabe), um painel português dedicado ao fado e a tourada — por, no imaginário lisboeta, se associar à Mouraria o nascimento do romance entre a fadista Severa e o toureiro Conde de Vimioso — e um terceiro que retoma as referências africanas, inspirado nos desenhos das grutas pré-históricas de Angola, onde a artista nasceu.
“O painel conta uma história e ali deixou de haver continuidade. Há um corte abrupto”, entende a artista. No artigo 59º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos lê que “não são admitidas modificações da obra sem o consentimento do autor, mesmo naqueles casos em que, sem esse consentimento, a utilização da obra seja lícita”.
Colocados em losango, Gracinda acredita que os azulejos seriam difíceis de retirar da parede. Teme pela conservação de parte da obra e exige saber qual o paradeiro dos azulejos retirados. “Engraçado como as pessoas dizem que aquela zona é complicada, por ter pessoas de tantas origens, mas em vinte anos ninguém tocou nos azulejos. Foi preciso a administração estragar tudo”, insurge.
Gracinda não deixa de se interrogar: “E se não tivesse feito a obra no metro? Tive empenho numa obra que pensei que fosse respeitada. Abdiquei de ganhar de mais de um milhão de euros naqueles quatro anos”. Era a altura em que vendia mais quadros, garante. “Eram os anos 90 e eu não pintei, não produzi nada para além do painel. Perdi uma exposição em Casablanca. Perdi uma série de oportunidades nesses anos”. Em tribunal, quer prová-lo.
Para além da indemnização, Gracinda Candeias quer ver a parede novamente lisa. “Com azulejos em marfim ou apenas lisa”, sugere que ali seja colocada uma vitrina onde sejam dadas explicações sobre os vários elementos da obra e a inspiração da autora.
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