O fusquinha
do jovem arquiteto alemão nós levou até a sede de uma das maiores empresas da
América Latina. Um estado dentro do estado. Um bunker. Chuviscava na Paralela.
O terceiro
ocupante do carro, o frei Lucas Dolle, guardião do convento de São Francisco,
certamente uma das figuras mais excepcionais que encontrei nestes 40 últimos
anos, respondia ao convite feito pelo dono do bunker, e eu, de penetra, com a
esperança cética de um patrocínio para editar meu livro sobre o conjunto das
duas igrejas e pátios respectivos. Escolhera uma dúzia de especialistas, cada
um responsável por um dos capítulos do projeto. Desde a implantação dos
franciscanos na América Latina, o trabalho de marqueteira de mármores e a
interpretação teológica até a visão antropológica e a inserção das obras
sociais na Bahia atual. Dois fotógrafos tinham, sido convidados e até a boneca
editorial a cargo da competente programadora visual Maria-Helena Pereira da
Silva
A audiência
seria, germanicamente, das 10 às 11 horas. Quando entramos na sala, outros
convocados já estavam instalados à volta da grande mesa de reuniões. Sentado de
costas para a janela, a contraluz, e de lado para a mesa, como se não
pertencesse totalmente ao encontro, o anfitrião ficou durante uma hora de
perfil para os participantes. Perfil pesado que imediatamente me lembrou
aqueles bustos romanos do Museu do Capitólio. Durante 40 minutos, a assistência
teve direito a um monólogo do perfil, deixando aos componentes da mesa a honra
de se expressar durante os restantes 20 minutos. Um subalterno teria a
incumbência de examinar meu projeto.
O Frei Lucas não aceitaria, com toda a razão, a ideia de transformar o convento em pousada e meu projeto, apesar do anunciado interesse inicial, seria impiedosamente varrido por uma simples chamada telefónica de uma secretaria apressada.
O Frei Lucas não aceitaria, com toda a razão, a ideia de transformar o convento em pousada e meu projeto, apesar do anunciado interesse inicial, seria impiedosamente varrido por uma simples chamada telefónica de uma secretaria apressada.
Vinte anos
se passaram. O busto, que não era de mármore, não mais existe. O filho não se
entende com o neto que está preso, respondendo por três décadas de corrupção da
empresa, e meu projeto acabou com um destino, no mínimo, inesperado, frustrando
um longo trabalho e desejo de perpetuar meu agradecimento a Bahia por me ter
aceite como parceiro. Hoje me considero um homem de sorte por ter tido meu nome
descartado pelo dono do bunker.
O tempo é sempre a mais justa balança.
O tempo é sempre a mais justa balança.
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