sábado, 22 de abril de 2017

UM BUSTO ROMANO


  O fusquinha do jovem arquiteto alemão nós levou até a sede de uma das maiores empresas da América Latina. Um estado dentro do estado. Um bunker. Chuviscava na Paralela.

O terceiro ocupante do carro, o frei Lucas Dolle, guardião do convento de São Francisco, certamente uma das figuras mais excepcionais que encontrei nestes 40 últimos anos, respondia ao convite feito pelo dono do bunker, e eu, de penetra, com a esperança cética de um patrocínio para editar meu livro sobre o conjunto das duas igrejas e pátios respectivos. Escolhera uma dúzia de especialistas, cada um responsável por um dos capítulos do projeto. Desde a implantação dos franciscanos na América Latina, o trabalho de marqueteira de mármores e a interpretação teológica até a visão antropológica e a inserção das obras sociais na Bahia atual. Dois fotógrafos tinham, sido convidados e até a boneca editorial a cargo da competente programadora visual Maria-Helena Pereira da Silva

A audiência seria, germanicamente, das 10 às 11 horas. Quando entramos na sala, outros convocados já estavam instalados à volta da grande mesa de reuniões. Sentado de costas para a janela, a contraluz, e de lado para a mesa, como se não pertencesse totalmente ao encontro, o anfitrião ficou durante uma hora de perfil para os participantes. Perfil pesado que imediatamente me lembrou aqueles bustos romanos do Museu do Capitólio. Durante 40 minutos, a assistência teve direito a um monólogo do perfil, deixando aos componentes da mesa a honra de se expressar durante os restantes 20 minutos. Um subalterno teria a incumbência de examinar meu projeto. 

O Frei Lucas não aceitaria, com toda a razão, a ideia de transformar o convento em pousada e meu projeto, apesar do anunciado  interesse inicial, seria impiedosamente varrido por uma simples chamada telefónica de uma secretaria apressada.

Vinte anos se passaram. O busto, que não era de mármore, não mais existe. O filho não se entende com o neto que está preso, respondendo por três décadas de corrupção da empresa, e meu projeto acabou com um destino, no mínimo, inesperado, frustrando um longo trabalho e desejo de perpetuar meu agradecimento a Bahia por me ter aceite como parceiro. Hoje me considero um homem de sorte por ter tido meu nome descartado pelo dono do bunker.

 O tempo é sempre a mais justa balança.









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