EMMA VALLE (1933-2000)
Antes de falar desta artista, devemos
nos lembrar de outro artista, o argentino Reinaldo Eckenberger que chegou a
Bahia em 1965 para estudar canto lírico na então famosa escola de Música da
Ufba e, depois de alguns meses no hotel Colonial – hoje Aliança Francesa – foi
morar na pensão o “Cartola Internacional” da ladeira de Santa Tereza. Em espaço limitado por algumas folhas de
compensado, o jovem Reinaldo, descobrindo que desafinava, abandou sem demora os
estudos musicais. Começou a brincar com diversos materiais, criando peças pouco
académicas que muito intrigaram a dona da pensão. Estamos falando de Emma
Valle. Assim, de uma coabitação eventual, dois artistas iniciaram um voo tão
esplêndido quanto solitário.
O mundo de Emma Valle começa e
termina em Salvador, ou melhor dito, no reduzidíssimo espaço do Cartola
Internacional, a poucos metros do Museu de Arte Sacra. São orixás, navegadores,
casebres e velhas igrejas, baianas de acarajé, ônibus, barcos, fiação elétrica,
negros, brancos, mestiços e rastafáris. Tudo devidamente identificado nas
costas da obra, assinado e datado mais de uma vez.
“Todo meu trabalho tem uma história.
Um deles, por exemplo, conta a história d um burguês que vai pescar num
fim-de-semana. Ele pega um peixe muito grande e quase cai na água. Consegue
controla-lo e leva para a esposa. ”
Os suportes? Vários e quaisquer.
Prato de porcelana quebrado e mal colado, azulejos, tacos, pé de mesa, telas, papelão,
tampa de fogão, figurinhas de gesso...
Numa entrevista para o Shopping News
em 1976, ela declara: “(...) não me considero uma artista cara. Vendo barato,
Só não vendo fiado ou a prazo. O preço que cobro condiz com a qualidade do
trabalho. Eu só trabalho com material bom e por isso meus quadros duram
séculos, como os de Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci...”
Naïf, Emma? Nada disso. A ambição dos
ingénuos é igualar os académicos e seu charme é de não conseguir. Dona Emma
pertence a um núcleo mais profundo, mais atormentado. O mundo dos que vivem um
delírio pessoal e trabalham a margem das convenções. Aquilo que o pintor
francês Jean Dubuffet denominou de “Art brut” em 1945. Aquilo que a psiquiatra Nise
da Silveira chamava de Imagens do Inconsciente. Aquilo que os anglo-saxónicos
definem como “Outsiders”.
Emma Valle talvez seja a maior
artista da Bahia.
Dimitri Ganzelevitch
Salvador 30 de julho de 2019.
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