sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

DA RUA CHILE AO SANTO ANTÔNIO

foto: Dimitri Ganzelevitch

Se Salvador perdeu parte significativa de seus moradores, isso significa que algo está errado na sua gestão. Um dos possíveis motivos sendo a agressiva desumanização de um planejamento incoerente e submisso a especulação imobiliária. Quantos jardins públicos foram criados nessas últimas décadas?

Em contrapartida, o centro histórico está pegando fogo. Muito depois de pioneiros como o Senac, o Hotel Villa-Bahia e o restaurante Cuco, o mineiro Antônio Mazzafera, após alguns erros conceituais, e com certeza muitas dificuldades de apoio, está ressuscitando a Rua Chile e adjacências. Em breve esta parte do centro tornará a brilhar com toda a purpurina perdida.

Por enquanto, o Pelourinho, com seu cenário para turismo de massa e suas ruinas, é o patinho feio de nosso patrimônio. Sobrevive com overdose de atabaque.

Descendo e subindo ladeiras até chegar ao Carmo, de repente, entramos em outra bolha. O bairro de Santo Antônio está virando o xodó de artistas, jornalistas e boêmios. Homens de barba e saia longa e lindas mulheres de cabeça raspada. Só faltam uma farmácia e uma boa sorveteria artesanal. Visando a classe média e, quem sabe, algum Elon Musk, Madonna ou Lewis Hamilton, abrem-se bares e restaurantes com ambientação caprichada, feijoada nouvelle cuisine e preços para lá dos Champs-élysées.

Mas ainda resiste, em prazeroso paralelo, o velho bairro tradicional cujos moradores continuam olhando o movimento pela janela ou fofocando sentados em cadeiras de plástico na calçada, logo após o sol desaparecer.

Se você ainda não se acostumou a passear pela Rua Direita, venha se deliciar com um pastel de aratu do Edimilson ou, só em fins de semana, uma moqueca no D´Veneta. Ademi e Dora não usam leite de coco em garrafa, mas extraído da própria fruta. Para mim, isso já é gastronomia. E podem acreditar: a maniçoba é melhor que em Cachoeira. O Cafelier continua com sua vista deslumbrante, o Paulo recebendo na antessala e fotografando as celebridades. Se a padaria Flor de Santo Antônio - que virou ponto de encontro do bairro - tem uma produção ás vezes irregular, vale pelos preços acessíveis, a gentileza de patrões e funcionários. E o suco de laranja é generoso.

Aproveito para inserir um intervalo comercial: em março passado abri o atelier Kasbek, no térreo da casa para expor minhas fotografias e um monte de objetos e obras de arte de minha coleção. Marcelo Rezende, curador da última - última mesmo! – Bienal da Bahia, tencionava organizar uma exposição de meu bazar sob o título genérico de Gabinete de Curiosidades como existiam na Renascença.

Talvez a primeira capital do Brasil esteja se esvaziando, mas no meu bairro - tem 48 anos que por aqui moro – a vida continuará alegre ainda por muito tempo.

Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, 6 de janeiro 2024

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