segunda-feira, 8 de abril de 2019

CARPE DIEM

CARPE DIEM 
(APROVEITE O MOMENTO FUGAZ)

Nenhuma descrição de foto disponível.Hoje, 8 de abril, mal rompida a madrugada, abro a janela de panorama retroativo e descortino horizontes, o dos vastos 87 anos vividos e o sereno de esperançosos degraus ainda a subir, mas convencido de que, por tantas alegres e muitas vezes rudes estivas percorridas, duas essências anímicas redundam em prêmios: o amor e as amizades, eles é que levam ao infinito em crescendo dentro de nós mesmos.
E assim é que, como tudo que acontece de surpresa, eu, sentado, de livro em punho (ainda há), mal rompida a madrugada, vejo a amada entrar na sala, a me afagar, me abraçar e me beijar, ela, que é o amor que, por mais de três decênios, me alimenta e me acompanha: Vera Pessoa. Ela me faz invocar dois versos do romano Sexto Propércio, a propósito de um amante que suportou golpes e dores, para conquistar a amada eleita: “Ergo velocem potuit domuisse puellam; / tantum in amore preces et benefacta valent” - "E conseguiu, dessa forma, dominar a donzela veloz; porque, no amor, somente as súplicas e os aconchegos valem" (livre tradução minha).
As amizades se compõem dos filhos, netos, irmãos, irmãs e sobrinhos, cunhados, cunhadas, massa de sentimento e ternura, estejam eles no meu entorno ou distantes; e, por fim, os amigos, que escolhi e, por determinação dos fados me restam, cuja afeição, conforto e sinceridade em muito me ajudam no tempo presente e me ajudarão a subir os que espero jamais pedregosos degraus à frente.
E, ao fim, dessas sensíveis e curtas linhas, algo que não poderia faltar, enfeixando e resumindo, mesmo pretensiosamente, o estado de espírito de que ora sou tomado e me domina. Segue abaixo dedicado a todos a que me referi vagamente acima, alguns dos quais hoje (suponho) pressurosamente me enviarão mensagem, uma Ode, que transcrevo em sua forma definitiva.
Abraços e agradecimentos a todos que me têm suportado, rodeando-me de afetos e atenções.
(Ilustração: gravura de J. Borges).
ODE AO TEMPO SUCESSIVO
Eunt anni more fluentis aquae.
(“Os anos se vão como a água que flui”)
Ovídio, Ars amatoria (3.62)
Omnia fert aetas, animum quoque.
(A idade leva tudo, até a memória)
Virgílio, Bucólicas (9,51)
Muitos disseram, outros quiseram dizer, mas não disseram.
Talvez. Digo eu, então, olhando o mar de azul sonoro e vário,
Em frente, ou ao sol, revisitando árvores e caminhos de antes,
Imperecíveis. Tempo, senhor do mundo, varando luzes e trevas,
Nunca haverás de parar, nunca?
Mudo, disparas bola a rolar com o volume das noites e dos dias,
Que à frente navegam céleres, sem travas, nem conhecidas leis.
Tempo, senhor do mundo, de onde vens e aonde irá a tua máquina
De fomes insaciáveis, em teu infinito vai-e-vem de ausências?
Na varanda, sorvendo uma taça reluzente, miro o ignoto mar, o mar
De azul ora maciço; miro a rua de tráfego nervoso, envelhecendo
Meu duro chão que faísca.
Tempo, senhor do mundo, que sepulta meus sonhos, cala meus
Íntimos brados e longas vigílias, de onde vens e para onde vás?
Subindo e descendo solos íngremes, fazes de mim o que serei:
Somente esvoaçante pó.
Observo teus afiados dentes sobre mim, logo sobre todas as coisas.
Se até a memória levas-me, diz-me para onde levarás a minha alma.
Por que não me fazes feliz, antes de minha morte, por que?
Devoras a luz que nos espera na noite funda, lá onde ambos dormimos.
Por que disseram que foges?
Quantas verdades disseram outros: bem mais depressa que o vento, foges.
Doem-me os braços, minhas pernas cedem; já não mais seguro os remos.
O jequitibá de ontem pereceu; sapucaias e louros são hoje turva cinza.
Por serranias, céu claro, nuvens negras, fluentes águas, sem que ninguém
Te veja, nem eu, escapas.
Segues, absoluto e irrefreável, por vazios de infinitas errâncias,
Sem nenhuma força capaz de mudar ou apagar o que deixaste para trás.
Oh, Tempo, que posso fazer de ti, se marchas, veloz e irrecuperável,
Forjando idades, se não sei o que me trarás ao fim da brônzea tarde?
Se vais, corres, nadas, voas, sobre o leito onde fluis, sem voltar jamais,
No longo caminho, hoje, amanhã, montado em tuas águas remotas,
Não importa, irei contigo.
Florisvaldo Mattos 
(poema inédito)

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