segunda-feira, 15 de abril de 2019

DROGAS: PERDEMOS A GUERRA

"Nós perdemos a guerra. Nunca vi faltar maconha em lugar nenhum do país devido às nossas apreensões"


“Se 500Kg de maconha é uma pequena quantidade, então quanto passava por aqui quando era uma grande quantidade? 
Ele me respondeu: umas 20 toneladas por dia”
Por Martel Alexandre del Colle 

Ainda me lembro da sensação. Ver toda aquela droga, mais o dinheiro apreendido e os traficantes detidos. Ainda havia carregadores de pistola e balanças de precisão. Aquilo era o que chamam aqui no Paraná de “servição”. Lembro-me de ir até o rádio da viatura a avisar sobre todo o material apreendido. Lembro-me da sensação de acreditar estar mudando o mundo, fazendo algo útil, melhorando a vida das pessoas que moravam naquela comunidade e eram oprimidas por aqueles traficantes.
me senti desafiado a desmontar um esquema de tráfico que parecia impossível e que coagia uma comunidade inteira às suas regras
Trabalhava em uma cidade que figurava, e ainda figura, entre as cem mais violentas do País. Eu tinha uma ideia bem clara de que eu precisava me esforçar ao máximo para impedir uma certa gama de crimes que eu considerava os mais danosos. Dentre eles estavam: homicídio, estupro, tortura, uso de drogas e tráfico de drogas.
Homicídios são difíceis de prever. É preciso trabalhar com reforço positivo e não com prisões para se reduzir homicídios, mas isso era grego ou até Gaélico Escocês para grande parte das policiais militares na época (e ainda é uma linguagem de pouca compreensão nas polícias do Brasil em geral);
Estupros ocorrem – a sua maioria – dentro de casa e, geralmente, o autor é um parente que acaba sendo defendido pela própria família, forçando a vítima a esconder o ato como se ela fosse a culpada (e é por isso que as escolas devem ter em seus currículos a matéria de educação sexual. Afinal, a vítima pode ter um estuprador dentro de casa que não irá lhe ensinar a se defender, e nem a dizer que estupro é errado, que é crime. Se você quer que estupradores te agradeçam para sempre, crie alguma desculpa, como a “ideologia de gênero”, doutrinação do MEC, e outras baboseiras para proibir a educação sexual nas escolas e impedir que as vítimas se empoderem e denunciem o autor);
Tortura não é algo muito comum nas ruas. A gente ouve mais é de policiais que torturaram “bandidos” do que de criminosos que torturaram alguém.
Eu era um policial novo e inexperiente, logo, decidi atacar os crimes mais simples: tráfico e uso. Eu nunca fugi de uma ocorrência envolvendo os fatos acima, a questão é que essas atividades são mais difíceis de pegar, principalmente com o péssimo sistema de escalas alternadas entre dias e noites que muitas policias militares ainda usam. Já está mais que provado o dano a saúde do policial por ficar alternando entre dia e noite. E é um sistema empiricamente burro, já que o policial não consegue instintivamente perceber quais são as horas e os locais, dentro do seu turno, em que o crime é mais plausível de acontecer – o tal do policiamento comunitário.
São essas coisas que me adoeceram. Eu me pergunto como tanta burrice pode existir dentro de um sistema depois do surgimento dos livros, da internet, da universidade? Não entra na minha cabeça. Mas eu tenho de me conformar, afinal, eu vivo no país onde cristãos ajudaram a eleger o Bolsonaro. Eu queria saber como eles encaixam o “bandido bom é bandido morto” com o “ama o teu próximo como a ti mesmo”. É como um suicídio. Eles matam o bandido e com isso se matam. Se eles parassem para refletir…
A apreensão narrada no início do texto foi a minha primeira de grande porte. E ela foi especial porque foi alcançada através de uma ação estratégica minha. O ponto de tráfico a que me refiro ficava na comunidade mais temida pelos policiais da área. Muitos policiais não entravam naquela comunidade, algo raro aqui no Paraná. Inúmeras vezes eu fui chamado para apoiar uma viatura que precisava atender uma ocorrência próxima aquele local. Ninguém queria entrar lá sozinho. As ocorrências lá eram escassas, havia boatos de que os traficantes coagiam a população a não ligar para a polícia em casos de emergência, a fim de manter o tráfico ocorrendo livremente. Os moradores diziam que quem ligava demais para a polícia acabava desaparecendo.

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