A casa de meus bisavôs paternos em Tomsk ainda existe. Tem dezenove janelas na fachada, mas a foto só mostra uma porta.
Foi por ela que
meu avô saiu para nunca mais voltar. O resto da família ficou debruçado nas
janelas, vendo a vida passar.
Janelas são
prazerosas. Entra a luz, entra a brisa matinal, o canto dos pássaros e você
permanece protegido no aconchego de seu lar, sentindo os perfumes da cozinha
onde preparam a refeição. Tranquila certeza de que nada irá mudar no seu futuro
próximo.
Prefiro, porém,
as portas. Não existe civilização sem porta, seja ela de palha, pano, pedra,
madeira ou bronze. Mal colocou a mão na maçaneta, já se define, ainda que difusa,
uma promessa de aventura. Tudo pode acontecer, mesmo se a intenção for só
comprar limões na quitanda vizinha.
Aos
dezessete anos, voltando de férias quando fora iniciado nas volúpias do
cigarro, abri a porta de casa para comprar um novo maço. Mas então não teria
dinheiro para assistir a “Arroz amargo”. Escolhi o filme, me apaixonei por
Silvana Mangano e nunca mais fumei.
Se você for
à ilha de Zanzibar, se encantará, na Cidade de Pedra, com o elegante
despojamento da arquitetura suaili, em absoluto contraponto com a exuberância
das portas entalhadas que denunciam o domínio matemático da cultura árabe. Calçando
botas de sete léguas, ao pular por cima do Oceano Indiano, talvez não resista
em adquirir uma casa branca em Lamu, abrindo sua – de novo! - ricamente elaborada
porta para viver lá o resto da vida.
No último
dia em Roma, bem antes das seis da manhã, saí da casinha alugada perto da
Piazza Navona, atravessei a ponte Sant´Angelo e, virando à esquerda, fui até ao
Vaticano. Cheguei no momento exato quando o primeiro raio de sol iluminava a
porta principal, ainda fechada. Não, não se trata de intervenção divina, mas da
genialidade de sucessivos arquitetos.
Outras
portas pontuaram minha vida, nem sempre imponentes ou sacras. Também, como
você, abri montões de portas de metrô, ônibus e elevadores, raramente encontrando
aventuras memoráveis. Assim mesmo, empurrar uma porta é abrir um livro e ao
fechá-la, nada será como dantes, cada passo um novo capítulo de sua história.
Como Ulisses
após longa viagem, cansado de guerrear em Troia e resistir a cantos
perigosamente sedutores, volto a Itaca e abro a porta de minha casa. Abandono
malas e mochilas no meio da sala para desmaiar na poltrona preferida. Meu olhar,
porém, não deixará de notar cada móvel, cada quadro. Subo até o quarto, deixo a
luz entrar pela janela, a brisa entrar e reencontro o canto amigo dos pássaros.
Abro então a porta mais amada, aquela que me leva ao terraço. Me sento numa
cadeira baixinha para tratar sem mais demora de meus pés de morango.
Parabéns!
ResponderExcluirMuito bem escrito " A porta que abri " - Não fiz na minha vida outra que abrir porta.... e sempre uma surpresa : alegria ou tristeza !
Dimitri, você é um excelente cronista e deve reunir seus escritos em um livrinho. É a maneira de perpetuá-las. Acabo de fazer isto com minhas crônicas de viagem, que vou lançar no dia 20 no Sebo Galáxias no Cine Glauber Rocha, às 18:00hs. Paulo Ormindo
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