quinta-feira, 25 de maio de 2023

APAREÇA LÁ EM CASA!


Enquanto o caçador de marajás abocanhava a conta corrente dos otários, moi entre milhares, para tentar equilibrar o orçamento organizei jantares na minha casa do Santo Antônio. As “tables d´hôte” tiveram bem-vindo êxito. Alívio!

Ele apareceu numa daquelas noites de quinta-feira. Era um famoso, pelo menos dentro daquilo que o Faustão considera fama. Revistas de fofocas, pedidos de autógrafos... Para mim, famoso é Bill Gates, Picasso, Kubitschek, Zubin Mehta. Mas sejamos honestos: trata-se de um bom profissional. E estava bem acompanhado. Adorou o uso de ladrilhos hidráulicos na entrada. Muita risada.

Voltou umas três ou quatro vezes, a qualquer hora de qualquer dia, para mostrar minha casa a amigos. Sem pré-aviso. Gente famosa é assim. Muito à vontade com a agenda dos outros, desde que não sejam também famosos.

Acabou comprando uma casa no bairro. Arquiteto-decorador paulista também famoso, como podem imaginar. Caprichou. O resultado logo amplamente fotografado nas tais revistas.

E não é que, por algum bizarro motivo, mesmo depois da casa pronta, veio de novo bater à minha porta com mais amigos? Sem pedir desculpa pelo incômodo. Mais uma vez mostrei meu Buckingham, meu Versalhes, meu bazar. Paredes cobertas de obras de artistas hoje conhecidos na Bahia. Alguns de outras terras. Ninguém deu a mínima olhada. Ah! Mas que vista linda! Isso é verdade. A vista sobre o jardim, o porto e as ilhas é espetacular. Na saída, sem agradecer, me deu seu cartão de visita, acrescentando: “Apareça! ”.

Naqueles tempos longínquos, eu já não era criança nenhuma. O que restava de cabelo, tudo grisalho. E você acha que eu ia sair de minha toca para, sem mais nem menos, ir tocar a campainha da porta do tal famoso? Assim, a qualquer hora de qualquer dia ou noite?

E se ele, naquele exato momento, estivesse com dor de dentes ou diarreia? Brigando com o amor do momento? Acabando de receber a notícia de um contrato quebrado? Ou uma conta astronômica e inesperada para pagar em 24 horas?

Naquele exato momento de aporrinhação máxima um velho chato vem bater à minha porta? Nem me lembro de quem é. Zé! Diga que viajei para Taiwan!

Não aceito nunca convite para “aparecer lá em casa”, sem que esteja devidamente especificado dia, hora e proposta. É geladinha na laje ou jantar sentado à luz de vela? Vou de bermuda ou camisa social?

Aparecer assim, sem mais nem menos? Nem pensar!

A bem da verdade, hoje os convites são raros, a não ser para lançamento de livro. Obrigado pelo convite, Paulo Martins e Luís Afonso Costa, mas a expectativa de ficar horas em pé fazendo fila para pegar autógrafo, me apavora. Tanto andei por ladeiras, ribeiras e trilhas que hoje as pernas reclamam brabo. Pagamos por aquilo por onde pecamos.

 

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