O tempo vai
colocando uma fina camada de poeira nos nomes que um dia nos foram importantes.
Ouvindo um adágio lento e solene de Handel, penso em todos aqueles que me
ajudaram, na Bahia, nestes últimos 48 anos a moldar aquilo que sou e que
continuam vivos na minha memória. A gente se constrói a partir dos outros.
Abro o livro
imaginário das lembranças. O primeiro sorriso que reencontro, acompanhado por
dois grandes olhos azuis é aquele de Eva Adler, consulesa da Áustria. Preciosa
amiga. Estamos visitando Ilse e Hansen-Bahia, na casa atemporal das alturas de
São Félix. Agora é a vez de Consuelo Novais, inteligência vestida de elegância,
que veio pessoalmente conhecer meu projeto editorial sobre as igrejas de São
Francisco, projeto que me seria absurdamente surrupiado.
Vez ou outra
ia até Santo Amaro para me abastecer de obras da Zilda Paim. Casa simples,
cheirosa e arrumada, bem no centro da cidade. Ela me aguardava com a nova safra
de quadros ilustrando a cultura popular do Recôncavo. Quanta paixão habitava
esta senhora!
O poeta
Ildásio Tavares, gozador e irrequieto, vai subindo a ladeira do Pelourinho. A
gente se gostava tipo cão e gato. Acabou escrevendo uma bela crônica sobre
minha insignificante pessoa. Perdi o recorte.
E João
Carlos Teixeira Gomes, o Pena de Aço, que não hesitou em se deslocar
pessoalmente até a sede d´A Tarde para devolverem meu espaço? Sempre de pavio
curto, tinha-me aborrecido com uma censura a respeito do plano de saúde
Bradesco.
O uruguaio
Miguel Huertas, culto e irascível, odiava ser chamado de Miguelito. Dirigindo
mal um carro sem marca nem cor nos levava até a casa de fada de Agi Neeser. Ela
nos esperava com a primeira caipirinha do dia e na véspera de Natal cantava com
voz leve e afinada uns cânticos alemães. Canoas a balançar nas ondas tranquilas
de Passé no fundo do fundo da baía. Lá vivia um casal de franceses, Paul
Bréziat e Michel Cahen, no meio de uma plantação de bananeiras que pouco e mal
produzia. Vez ou outra aparecia o Pierre Verger entre duas viagens a África.
Reinaldo Eckenberger veio estudar canto lírico na Ufba. Desafinava. Virou
artista visual e acabou ganhando o prêmio Matarrazzo na Bienal de São Paulo. Um
ônibus cheio de enormes e inquietantes bonecas de pano.
Na casa do
outro lado de minha rua moravam duas irmãs pernambucanas. Nunca soube como
pousaram no bairro de Santo Antônio. Neguinha, que nunca casou, costurava belos
vestidos de noiva. Nerina era radioamadora. Sua maior vaidade era ter se
comunicado com Juscelino Kubitschek. Com elas duas fizemos a decoração da rua
para o desfile do Dois de julho. Nunca a grande festa cívica fora tão bela e
alegre.
A brisa do
fim do dia leva nossas poeiras para muito longe...
Dimitri
Ganzelevitch
A Tarde, sábado 28 de outubro 2023
MARAVILHOSO ...
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