Estou me aproximando do meio século de residência em Salvador. Já foi uma cidade pacata de menos de um milhão de habitantes. Podia, sem o mínimo receio, voltar a pé para casa no centro histórico após a meia noite. Hoje, nesta megalópole beirando os três milhões não ouso sair após as 22 horas.
Os bairros
periféricos – a maioria não existia em 1975 – são palcos de brigas sangrentas
entre facções de narcotraficantes. Vez ou outra, a PM entra e “revida” matando
sem qualquer hesitação adolescentes e até crianças, sempre “vítimas de balas
perdidas”. O que, nos Estados-Unidos ou na Europa leva multidões a manifestar-se
pelas ruas, aqui não passa de vagos protestos por um punhado de familiares dos
assassinados. 72 mortos só no mês de setembro. O Estado não sabe que violência
gera violência? E isso num governo que se define como socialmente consciente.
Acompanhando
esta guerra civil, a cidade vem se desumanizando pela mais total falta de
planejamento urbano. Ao fazer a fortuna dos fornecedores de cimento, avenidas e
entroncamentos vão imitando as gravuras de Escher com pontes e viadutos cuja
mais evidente razão de ser é gastar verba, eliminando rios e o que resta de
Mata Atlântica. A Praça Cairu, a orla da Barra, privadas de árvores, hostis, parecem
pistas de aeroporto.
A encosta do
bairro de Santo Antônio - oficialmente “área non aedificandi” - é a nova vítima
da burro-cracia. Bem ao lado de minha casa, barracos de invasão foram retirados
pela municipal Codesal em véspera de chuvas, o que resultou em afundamento de dois
quintais junto à barroca Igreja do Boqueirão, provocando o desespero dos
moradores da ladeira do Pilar cujas casas foram invadidas pelas águas, agravado
pela perspectiva de mais deslizamentos de terra. Após queixa minha ao
Ministério Público, foram colocados plásticos pretos, solução paliativa de
curtíssimo prazo. Só.
Com o
pretexto de impedir o deslizamento de terras, os engenheiros da Conder, sempre
ela, adotaram o radical desmatamento da encosta para revesti-la de geomanta.
Maior agressão ao meio ambiente, impossível. Não haverá mais bem-te-vis,
jandaias, beija-flores, saguis... No verão, teremos um micro-ondas ligado e,
quando chegar o mês de março, mais e mais águas irão afogar a cidade baixa. A
única solução seria uma contenção escalonada com pedras maciças, permitindo a
manutenção de flora e fauna. Todo mundo sabe disso. Menos a Conder. Como era
minha obrigação, acabo de prestar nova queixa no Ministério Público (N°003.9.401951/2023).
Na Praia do
Buracão vão construir três torres de 18 andares. Stella Maris coberta de
asfalto, a lagoa do Abaeté abocanhada pelos despudorados evangélicos...
Esta não é a
cidade que escolhi para passar o resto de minha vida.
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde 14 de outubro 2023
NÃO ESTOU SÓ NESTA BATALHA.
A SOCIEDADE TAMBÉM RESOLVEU PROTESTAR
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