Saudades...
Estou aposentada, após 36 anos lecionando na UNIRIO, e as pessoas me perguntam se não sinto falta de dar aulas.
Não sinto. Nenhuma falta.
Ando ocupada, demais, para sentir saudades...
Desenho projetos para organização de acervos bibliográficos; rego e adubo as flores da minha varanda; preparo a segunda edição do Glossário de codicologia e documentação; levo Mr. Darcy, todo dia, para passear e recolho, alegremente, sua caca; faço entrevista de referência, remotamente, com algum pesquisador que me encontrou via web ou por indicação de algum outro pesquisador de que sequer me lembro; concluo a arte de um PPT para alguma palestra; conserto coisas que deveriam ter sido consertadas há décadas; leio algum artigo, TCC ou pesquisa recém-publicados sobre livros raros; saio para tomar vinho com amigos ou experimentar um novo restaurante; visito bibliotecas a pedido de ex-alunos que as gerenciam; bato pernas na Rua da Alfândega, atrás de pregos e parafusos; encontro algum tesouro da Biblioteconomia num sebo, que parece que vai ruir a qualquer momento; passo parte de alguma tarde vasculhando o brechó do Adylson atrás de materiais e instrumentos de escrita; maratono museus do Rio (ainda, em protesto contra o 8 de janeiro); escolho dias, aleatoriamente, para não fazer nada, além de ler jornal, pegar sol na rede da varanda (enquanto ainda posso) e falar remotamente com amigos queridos; dou uma paradinha para comer esfirras com mate no árabe do Largo do Machado; e me revolto com o gosto do ser humano para guerras...
É muita coisa, para sobrar espaço para saudades.
Mas, quando olho fotos como estas, com alunos que, agora, devem ser Bibliotecários, se a vida não lhes impôs barreiras... quando vejo os sorrisos orgulhosos de si, os olhos que olham para um futuro lapidável, os gestos de quem tem fé nas próprias escolhas... quando olho as faces, uma a uma, sinto mais que saudades.
Sinto uma espécie de banzo. Uma coisa que me traz lágrimas que ficam em mim, como no dia de hoje (sei lá, por quê!) e me fazem chorar até com beijo de Dorama!
Não, não sinto falta de dar aulas.
Sinto falta da massa informe de esperanças, que me cercava como um jardim, cada vez que eu entrava numa sala de aula, e que eu, de alguma forma, acho que ajudava a regar.
É disso que sinto falta...
Ana Virgínia Pinheiro
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