Calote e prazo de editais alimentam tensões entre artistas e a Secult do estado
Produtores criticam falhas em sistema de inscrições; elenco denuncia
atraso de cachês
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Jairo Costa Jr.
jairo.junior@redebahia.com.br
Salvador
Jerônimo lança editais após atraso; na reta final, produtores cobram prorrogação do prazo por gargalos no processo. Crédito: Mateus Pereira/GOVBA
O clima entre a classe artística e a Secretaria Estadual da Cultura
(Secult), que já era marcada por turbulências por causa de críticas relativas à
paralisia de quase todos os segmentos culturais desde que o jornalista gaúcho
Bruno Monteiro assumiu a pasta em janeiro deste ano, ganhou ares de revolta
ontem. O estopim tem origem em dois episódios: os problemas que ameaçam a
concretização de dezenas de propostas abarcadas pela Lei Paulo Gustavo na Bahia
e o atraso no pagamento ao elenco escalado para encenar a Ópera da
Independência, que fez parte das comemorações pelos 200 anos do 2 de Julho.
Às vésperas do fim do prazo para cadastrar as propostas que concorrem ao
bolo de R$ 148 milhões destinados pelo Ministério da Cultura (MinC) para
financiar projetos no estado por meio da nova lei, o Fórum Permanente de
Audiovisual da Bahia, formado por 12 entidades do segmento, divulgaram carta
aberta dirigida ao chefe da Secult, na qual pediam uma reunião emergencial com
objetivo de discutir a possibilidade de prorrogar o cronograma referente às
inscrições, cujo encerramento estava previsto para amanhã. O tom do comunicado
não deixava dúvidas sobre o grau de tensão.
"Tendo em vista a relevância desses recursos para o setor de
audiovisual em nosso estado, bem como a série de conversas que circulam nas
redes sociais indicando possíveis descontentamentos e ações privadas, visando
judicialização, consideramos imperativo o estabelecimento de um diálogo franco
e aberto entre os representantes das entidades de audiovisual da Bahia e a
Secretaria de Cultura do Estado", destaca um trecho da carta, em que foi
sinalizada a disposição questionar judicialmente os editais.
"Desde o início houve uma série de problemas relativos aos editais
de Lei Paulo Gustavo. Para começar, o sistema Prosas (usado para cadastrar as
propostas de forma online) deveria estar disponível na manhã do dia 26 de
setembro, mas só entrou em operação no fim da tarde. Com isso, perdemos
praticamente um dia. O processo todo também foi caracterizado por inúmeras
informações desencontradas, seja em relação a documentos ou à forma de
tributação, entre muitos outros exemplos", destaca Carollini Assis, que
está à frente da Associação de Autores Roteiristas da Bahia (Autorais), uma das
entidades signatárias da carta.
"Os editais geraram muita confusão. Tanto os formulários da lei
disponibilizados pela Secult quanto os do sistema Prosas traziam dúvidas e
informações que se chocavam. Alguns reparos foram feitos, mas demorou bastante
para que isso ocorresse. Por exemplo, os conflitos de dados relativos às
declarações sobre gênero e raça, entre muitos outros. Os encontros para
resolver esses desencontros demoraram bastante para acontecer. Resolver
questões burocráticas sobre qual a documentação era realmente correta atrasou
demais a montagem das propostas", afirmou Marcello Benedictis, presidente
da Associação de Produtores e Cineastas da Bahia (APC), que também integra o
fórum.
As tensões que envolvem a reta final para inscrição de propostas na Lei
Paulo Gustavo têm como pano de fundo a demora da Secult para consolidar os
dispositivos referentes à divisão dos recursos. Embora a Bahia tenha sido um
dos primeiros estados a receber a transferência de recursos MinC destinados a
estimular a produção artística e cultural, grande parte voltada ao segmento
audiovisual, a secretaria levou quase quatro três meses para abrir o processo
de seleção. Mais precisamente, o montante entrou na conta corrente da pasta no
início de junho. Entretanto, somente no fim de setembro os editais foram
lançados.
"Tivemos muito pouco tempo para cuidar da documentação, esclarecer
informações desencontradas e cuidar do conteúdo dos projetos. Só para se ter
ideia, criaram um núcleo de atendimento presencial para atender quem tivesse
dúvidas. Mas as informações divergiam daquelas que nos eram enviadas por
email", acrescentou Carollini Assis, da Autorais. "Se o audiovisual,
que possui bastante expertise em editais, enfrenta dificuldades enormes,
imagina os demais segmentos culturais, que não têm a experiência que
carregamos", emendou Benedictis, da APC.
Após a divulgação da carta, representantes das associações ligadas ao
audiovisual baiano se reuniram com dirigentes da Secult para discutir a
possibilidade de prorrogar o prazo de inscrições. Ao final da conversa, foi
firmado um acordo de submeter a proposta de adiar a data ao crivo do governador
Jerônimo Rodrigues (PT), que deve anunciar o veredito na manhã de hoje. A
expectativa é de uma resposta positiva, embora a percepção entre as entidades
do fórum é de que inúmeros projetos não terão espaço no pacote de recursos.
Elenco de peça reclama de atraso e silêncio sobre
pagamento
Enquanto o segmento de audiovisual batalhava para tentar esticar o prazo
de inscrições de propostas, outro episódio esquentava de vez o clima de revolta
da classe artística contra a Secult. No caso, a denúncia de calote feita pela
equipe de cantoras e cantores, atrizes e atores, bailarinos, músicos,
diretores, assistentes e técnicos contratada para encenar a Ópera da
Independência, espetáculo realizado pelo governo do estado, através da pasta de
Cultura, como parte das homenagens pelo Bicentenário do 2 de julho. Mais de
três meses depois de concluído o trabalho, os cachês ainda não foram pagos.
Sucesso de público e crítica, a ópera foi apresentada em 21 e 22 de
julho na Concha Acústica do Teatro Castro Alves (TCA). Na plateia, estavam
Jerônimo Rodrigues, o chefe da Secult, Bruno Monteiro, e diversas autoridades
do primeiro e segundo escalões do governo estadual. Desde então, o elenco
aguarda uma resposta sobre quando os valores serão repassados, mas só
encontraram silêncio e indiferença. "Mesmo com todo esforço para montar a
peça em apenas 20 dias, jamais nos foi informado quando receberemos os cachês.
É total falta de respeito. Muito triste, após quase 40 anos de carreira, se
sentir invisibilizada dessa forma", desabafou a atriz Márcia Andrade, que
interpretou Joana Angélica.
A responsabilidade pela montagem do espetáculo ficou a cargo da empresa
do produtor Dody Só. Segundo integrantes do elenco, ele alegou que já teria
enviado toda a documentação exigida para efetuar o repasse pelos serviços
prestados. É aí que o episódio entra em um limbo mal explicado. Apesar de
concebido sob o guarda-chuva da Secult, a Dody Só Produções apontou, conforme a
denúncia encaminhada ao CORREIO, a Superintendência de Fomento ao Turismo
(Sufotur) como fonte de pagamento pela ópera, que reuniu um grupo de artistas
renomados.
A lista inclui o cantor e compositor Gerônimo na direção musical, os
atores Bárbara Borgga, Evelin Buchegger, Carlos Betão, Diogo Lopes e Marcelo
Flores, além do coreógrafo Jorge Silva, que escalou 15 integrantes da companhia
de dança tocada por ele para participar da ópera. "Eu me sinto muito,
muito triste. Tudo que fizemos foi na coragem, na confiança e na fé. É uma
situação delicada, porque chamei os bailarinos que trabalham comigo para
participar desse trabalho", salientou Jorge Silva.
"Estamos nos sentindo muito desconsiderados e desprestigiados no
exercício da nossa profissão, porque são todos atores e atrizes experientes,
pessoas com 30 anos ou mais de carreira. Entregamos um trabalho de excelência
dentro de um tempo curto e com orçamento apertado. Ficamos desalentados com
essa ausência de resposta, de posicionamento por parte do governo, que foi o
realizador. Não deixa de ser um descrédito com o teatro baiano", disse
Marcelo Flores. "A sensação é de ter sido violado, agredido. E não temos a
quem recorrer nesse momento", lamentou Aglei, que atuou como assistente de
direção e diretor de produção da ópera.
O incômodo do elenco do espetáculo em relação ao silêncio da Secult é
partilhado também pela reportagem. Ao longo da tarde do ontem, a assessoria do
órgão foi contactada para se posicionar em relação às queixas de produtores
relacionadas aos entraves dos editais da Lei Paulo Gustavo e ao calote no
pagamento dos cachês à equipe convocada para concretizar a Ópera da
Independência. Mas, assim como todos, não ouviu ou recebeu uma palavra sequer
da secretaria.
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