UMA ARTÉRIA ENTUPIDA DA BAHIA
Cinema Jandaia. Foto: Dimitri Ganzelevitch
Viver hoje na Cidade da Bahia é estar acordado em nostalgia e indignação. Assistimos imóveis o recrudescimento da violência em toda a cidade e uma degradação veloz e inadmissível do nosso Centro Histórico. É acintosa a falta de cuidado e apreço com nossa memória e tudo piora com a incompetência institucional dos órgãos competentes que nada fazem e inexistem para o desenvolvimento cultural e educacional dos baianos e baianas. Casarões e outras construções históricas estão largados ao total
abandono, caminhando para a extinção memorial e física. Ninguém nada fez em relação a recuperação, preservação, ocupação cultural do antigo prédio do cine-teatro Jandaia, na também abandonada Baixa dos Sapateiros. O IPAC, em seus recorrentes tombamentos ineficazes, tombou “definitivamente” o Jandaia em 15/12/2015, documento assinado por Rui Costa, mas a construção continua largada à deterioração do tempo em harmonia com os tons de decadência do comércio, da falta de políticas públicas a favor de uma rua que tornou a Bahia conhecida no mundo inteiro à luz do talento do genial mineiro Ary Barroso. Os cines Tupy e o Pax estão na mesmíssima situação.
Não sei se haveria a possibilidade de recuperar a atividade comercial naquela área, mas restaurar construções históricas e transformá-las em equipamentos de veiculação artístico-cultural seria um dos caminhos de se recobrar a poética daquela artéria central da cidade, que foi entupida pela negligência política de um
lugar que desaprendeu a valorizar sua história e os feitos de seu povo. Numa ânsia de modernização acimentada e voltada para um progresso desordenado e tecnicista, a Bahia tem enterrado sua história e enfartado perante as impossibilidades de transformar a Baixa dos Sapateiros em Rua-Museu para a alegria de todos nós. Uma Rua-Museu igual às de Montmartre, em Paris, e do nosso jeito, regar de gastronomia, pintura, música, dança, teatro e cinema.
Quem ama Salvador sabe da beleza de seguir as vias da Baixa em suas lojas populares, comer em seus restaurantes resistentes, imaginar Bidu Sayão em alguma ópera italiana cantando naquele que era nosso grande teatro, o Jandaia que seria hoje como o Castro Alves que, no fundo, também está meio abandonado. Pensar na Baixa dos Sapateiros é ver Filipe Moreira comprando ali coisas da Bahia, é sentar e comer feijoada com Roberto Morais no Mercado São Miguel, é caminhar em procissão para Santa Bárbara ao lado de Paloma Vanderlei. Mas, mais que tudo, é ouvir Geraldo Badá falando de projetos sobre a Baixa, narrando suas histórias, contando curiosidades, militando em prol da sua total revitalização.
Que Bruno Reis e Jerônimo Rodrigues ouçam a voz de Badá a cantar: na Baixa dos Sapateiros, a Bahia tá viva ainda lá!
Marlon Marcos
A Tarde, sábado 28 de outubro 2023
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