domingo, 27 de novembro de 2022

DO QATAR, QUEM DIRIA?

 


Cerca de um terço dos 35 mil habitantes de Curaçá, na divisa da Bahia com Pernambuco, não tinha nascido ou era jovem demais para se lembrar da época em que o município tinha a bela e estridente companhia das ararinhas-azuis. Em 11 de junho deste ano, oito exemplares do psitacídeo foram soltos no céu da cidade baiana - um enorme avanço para uma espécie que respirava por aparelhos, extinta na natureza havia mais de 20 anos.

Foi uma grande vitória também para todas as partes envolvidas, entidades públicas e privadas, comunidades locais e entusiastas da causa do outro lado do mundo. "Projeto de conservação não é de um ou dois anos, ele precisa de 20, 30 anos, para colhermos bons frutos", diz a médica veterinária e analista ambiental Camile Lugarini, coordenadora do Plano de Ação Nacional para a Conservação da Ararinha-Azul, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

É uma história que começou em 1990, quando o Ibama criou um comitê para a preservação da espécie, após descobrir que havia somente três indivíduos selvagens restantes. A destruição das matas de galeria às margens do rio São Francisco e o comércio ilegal dizimaram a espécie.

A iniciativa não foi suficiente, e dez anos depois a ararinha-azul foi decretada extinta na natureza. Desde 2007, o ICMBio coordena o esforço para tentar reintroduzir a ave - apesar de ter desaparecido da natureza, ela ainda existia em cativeiro.


Um xeque das araras

 

É aí que entra a Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP), ONG alemã que, como o nome diz, luta para preservar papagaios, periquitos e afins ameaçados de extinção em diversas partes do globo. A ONG se tornou parceira essencial do ICMBio, porque, em dado momento, 90% de todas as ararinhas-azuis do mundo, ave exclusiva desse pedaço da caatinga, entre os município de Petrolina (PE) e Curaçá (BA), viviam em um zoológico privado no norte da Alemanha.

A ACTP, segundo uma reportagem do jornal britânico "The Guardian", está envolvida em uma lista de controvérsias que inclui tentativas de venda de animais importados pela ONG. Mas, sem a cooperação dela, seria difícil conseguir alguma coisa. "Para que esses colecionadores contribuíssem, era preciso uma sensibilização", diz Lugarini. "Estar ligado a um projeto de conservação é status também. É o caso do xeque Saud bin Muhammed Al Thani, que era um apaixonado por animais. Ele realmente contribuiu, fez as melhores instalações, tinha os melhores profissionais."

Morto em 2014, o xeque qatari (pessoa que nasce no Qatar) foi um dos responsáveis pela preservação da ararinha-azul, ao investir na criação de cativeiro. Quando ele morreu, a ACTP adquiriu as ararinhas e os profissionais envolvidos no projeto. Assim, uma ave única, natural do único bioma exclusivamente brasileiro, se mudou de Doha para Berlim.

Retornando ao Brasil

Não que fossem os únicos espécimes. Há colecionadores em outros lugares, como na Suíça, mas eles não quiseram participar. "Tudo depende muito dessa articulação com empreendedores", enfatiza Lugarini.

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