domingo, 30 de abril de 2023

O SONHO DA VARANDA PRÓPRIA

Pode ser uma imagem de sala de estar

Que besteira que fizeram os arquitetos em projetar casas com varandas e agora milhares de anos transcorridos dessa infeliz opção de projeto não há como voltar atrás. Casa com varanda não tem a menor graça, melhor seria varanda com casa, essa sim uma solução mais inteligente.
Já estava na cara que a varanda era a alternativa, depois que o homem deixou a caverna e nômade montou a sua tenda para se deslocar mais fácil, mas eles, os arquitetos, não conseguiram enxergar. Não entenderam que a razão prima para o homem deixar a caverna é por que não tinha varanda.
Preferiram aprisionar os nossos antepassados dentro da taba que um dia ganharia divisões físicas e materiais mais resistentes e então se chamaria de casa, a expressão latina que sugere um tipo de moradia. Se arrependimento matasse!
De um tempo para cá, os profissionais da área, suponho que às voltas com uma crise de consciência milenar, deram para projetar varandas cada vez maiores nos novos projetos imobiliários. Descobriram, antes tarde do que nunca, que a varanda deveria ser a casa e se engalfinham com os engenheiros para que estes encontrem soluções adequadas sem comprometer a segurança e estabilidade. Mas, por mais que se empenhem nessa cruzada redentora, o espaço será apenas uma varanda. O equívoco é ancestral, não há mais como remediar.
Os arquitetos não avaliaram que na varanda o homem poderia viver melhor e mais feliz e por isso imaginaram e projetaram a casa com suas paredes excludentes, seus tetos baixos e pisos de arremedo e, quando o homem exigiu a varanda, muitos séculos transcorridos, fizeram dela um puxadinho.
Não pressentiram que na varanda um dia o homem sonharia acordado, beberia um bom vinho, jogaria xadrez ou um carteado, assistiria televisão e, nos fins de semana, cuidaria da vida alheia. Não sabiam que a Lua só é de fato cheia quando observada de uma varanda e que o pôr do sol só é vermelho e laranja quando a varanda é um ponto de referência do horizonte.
Os arquitetos não acreditaram que a varanda seria o único lugar onde o homem poderia cochilar de fato, sem atentar para o tempo. E não se deram conta de que o símbolo do amor é uma varanda, sem muros e sem divisões. E não ouviram Raul Seixas “perdido na varanda de mercúrio, sem asas para perseguir o eco”; não invejaram Dorival Caymmi deitado numa rede na varanda.
Não aferiram que os mais apurados prazeres da vida se originam e se manifestam na varanda e é esse espaço que nos revela os melhores sentimentos e é nela, varanda, que encontramos os atalhos que nos apontam novos caminhos.
Quem sabe nesta hora, por que acredito na capacidade do ser humano de redimir seus erros, um arquiteto, em algum lugar do mundo, já projeta uma varanda com casa. Uma varanda enorme, suspensa sobre um aquário ornamental de carpas vermelhas, com samambaias, palmeiras e bambus em vasos grandes, moitas de crisântemos azuis e roxos e agrupados de antúrios brancos e vermelhos; em volta redes e poltronas, espaço gourmet e pubs de todos os tamanhos, mesas de estar e de jantar, carrinhos de chá e uma adega climatizada.
Uma varanda de 300 metros quadrados com uma casa como puxadinho, de 50 metros apenas, vá que exagerei, 40 dá, para alocar um banheiro e uma máquina de lavar e, talvez, uma cama para os hóspedes que perseveram no estresse.
Sonho com uma varanda do tamanho da saudade de nossos ancestrais. Que se um dia abandonaram suas inscrições rupestres na rocha e deixaram para trás as lembranças de gerações aprisionadas na casa de pedra é porque sonharam, talvez, com iguanas voadoras, a sua sombra projetada na Lua, como o ciclista do ET de Spielberg. Para serem observadas e invejadas de uma varanda.


TBT de uma crônica de minha autoria publicada no Correio* em 2012. Dedico ela a meus amigos arquitetos

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