Algumas questões sobre os arquitetos e seus projetos no litoral
A noção da importância da relação do edifício com a paisagem
É intrigante observar a falta de críticas incisivas e regulares tanto da grande mídia quanto de instituições renomadas, como o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), sobre o desenvolvimento desordenado nas áreas litorâneas.
O Brasil, reconhecido por sua rica tradição em arquitetura, abrigou ícones como Oscar Niemeyer, um dos arquitetos mais admirados mundialmente. Além dele, o País teve influentes profissionais como Lúcio Costa, os Irmãos Roberto, Paulo Mendes da Rocha, Márcio Kogan, Lina Bo Bardi, Roberto Burle Marx, Rosa Kliass, Vilanova Artigas, e tantos outros. Todos eles contribuíram significativamente para engrandecer a atividade.
Quem frequenta o litoral se surpreende
No entanto, quem visita o litoral brasileiro se surpreende negativamente com a desordem urbanística que se alastra por essas belas paisagens costeiras. O que se observa é uma crescente desarmonia arquitetônica, sem que haja uma oposição forte ou uma crítica consistente ao que parece ser um crime contra o patrimônio natural. Este cenário contrasta fortemente com o legado e a qualidade arquitetônica que o Brasil já demonstrou ter. A falta de uma voz crítica mais ativa e presente nessas questões é aterradora especialmente pelo impacto duradouro dessas construções no meio ambiente e cultura local.
O poder público e a destruição do litoral
A situação piora com a maioria dos prefeitos de cidades costeiras envolvidos ou liderando a especulação imobiliária. Isso ocorre tanto em pequenas cidades como Caraguatatuba quanto em capitais. Um caso marcante é Florianópolis. A recente aprovação do Plano Diretor causou indignação na população mais crítica. Eles veem o PD como ‘um golpe do setor imobiliário’.
Contudo, mesmo com o movimento apontando 26 inconstitucionalidades, incluindo mudanças nas Áreas de Preservação Permanente, o plano foi aprovado com apoio da Justiça. Essa voracidade, somada à alienação de muitos arquitetos, cria um sentimento de isolamento na luta contra as aberrações urbanas. Por isso, é vital lembrar dos ícones da arquitetura do passado.
As leituras sobre os Irmãos Roberto, especialmente aquelas feitas por acadêmicos e pesquisadores, como Fabiana Geneoso De Izaga, doutoranda do PROURB na FAU-UFRJ, enfatizam um aspecto crucial do trabalho do famoso trio de arquitetos: “a importância da relação do edifício com a paisagem natural.”
Luiz Felipe Machado Coelho de Souza, Arquiteto Urbanista, FAU/UFRJ; Doutor em História da Arte, Universiré Paris I – Sorbonne; foi outro que destacou as qualidades dos Irmãos.
‘O pensar antes de realizar’
“Marcelo pregava a aproximação entre arquitetos, engenheiros, industriais, cientistas, professores e homens de negócio; também a abolição de estimativas a grosso modo e o pensar antes de realizar.”
Coelho de Souza foi além. “No tocante às questões ambientais, a preocupação dos Roberto direcionou-se no sentido de respeitar as características naturais das regiões.”
Pensar antes de realizar, e respeitar as características naturais das regiões, são preocupações que passam ao largo da maioria dos arquitetos que atuam no litoral. E onde estão os especialistas, como os dois citados, para darem luz a estas importantes questões?
Plano Cabo Frio-Búzios
Este foi um dos muitos planos dos irmãos que, entretanto, não saíram do papel. Contudo, o especialista Ivo Barreto, arquiteto e professor universitário, Mestre em Projeto e Patrimônio escreveu sobre o plano. Destacamos o trecho abaixo:
“Em meio à transformação que sobretudo a partir dos anos 50 a região de Cabo Frio viria sofrer, quando o turismo de veraneio se fortalece na pauta política e econômica, os modernos já vinham atuando por aqui, propondo caminhos não apenas na arquitetura, mas buscando alternativas para a transformação que se avizinhava, como é o caso do Plano Cabo Frio-Búzios, do mesmo MM Roberto, que propõe, em 1955, uma imensa cidade-jardim que se estendia desde a Boca da Barra do Canal do Itajuru à foz do Rio São João, cojurando propostas em linha direta com os preceitos elaborado por Ebenezer Howard, uma das tentativas do nascimento do urbanismo, na busca por alternativas em conciliar homem e paisagem, nesta sua invenção das cidades como modo de vida no planeta.”
Os Irmãos Roberto tiveram sorte de não verem Cabo Frio se tornar a confusão que é hoje. Eles sonhavam com uma grande cidade-jardim, unindo homem e paisagem. Porém, apesar de muita pesquisa, não encontrei críticas ao caos urbano atual da cidade costeira. Por quê? Até o especialista Ivo se cala ante a depravação urbana em que se transformou o município. Sem críticas fortes e públicas, a erosão moral dos arquitetos atuais na costa não vai cessar.
Da mesma forma, a alienação de quem encomenda os edifícios e casas que vemos nas imagens provavelmente também continuará.
A relação dos Roberto com a especulação imobiliária
Para encerrar, selecionamos trecho de um artigo publicado pela PUC do Rio de Janeiro, intitulado Construção da Poética dos Roberto.
“Através de suas poucas entrevistas, por exemplo, fica fácil entender que a relação dos Roberto com a especulação imobiliária configura-se de forma tensa. Como ilustração, pode-se citar uma delas, de Marcelo Roberto (concedida em outubro de 1955 e publicada inicialmente no Correio da Manhã), onde discorre sobre a relação entre os arquitetos e os que buscam explorar ao máximo o potencial econômico do solo”:
Sei e afirmo é que não existe docilidade alguma. Se ela existisse, os arquitetos teriam muito mais serviço do que tem na realidade. Qualquer escritório de arquitetura que se preza rejeita mais do que aceita trabalho. Basta ver o número astronômico de prédios que se constróem e a percentagem insignificante dos que são confiados a arquitetos de verdade.
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