Tinha
prometido a Cecília, companheira desta viagem, leva-la até a casa onde Fernando
Pessoa morou pelos seus últimos quinze anos, no bairro de Campo de Ourique.
O famoso
bonde 28 – a esta hora sem pick-pocket - nos deixou no jardim de Estrela, frente a Real
Basílica. Ainda tivemos que enfrentar uma longa ladeira até chegar a sossegada,
quase adormecida rua Coelho da Rocha. A fachada do 28 pouco se diferencia dos
outros imóveis do final do século XIX que nunca ultrapassam quatro ou cinco
andares. Não reparei se ainda existe “a
Tabacaria do outro lado da rua.”
Além da
fachada, da escada e de dois quartos, pouco quedou da arquitetura original.
Museologia certeira, mas fria. Nenhuma tentativa de recriar algo do ambiente
original. A máquina de escrever exposta
dentro de um caixão de acrílico pousado numa tábua no meio da parede. A cama,
colocada num estrado que lhe tira toda intimidade. “Conquistamos todo o mundo
antes de levantar da cama / Mas acordamos e ele é opaco”. Os 1300 livros, que,
dizem, foram fartamente anotados, bem arrumados em estante distante do
visitante. Existiria poeta sem emoção? Mais humana, uma longa mesa com muitas
edições espalhadas da obra do Fernando Pessoa em várias línguas.
Como
museólogos bem-intencionados podem desalmar até um poeta, e que poeta! Nem o
café adjunto estava aberta, o que nos levou de volta a Baixa Pombalina e, mais
além, até a renascentista Casa dos Bicos, cuja história cobre séculos de
glórias e decadências que hoje abriga a prestigiosa Fundação José Saramago.
Agora sim, a adaptação museológica convence o visitante mais exigente. Mas
também é verdade que o ilustre português nunca aqui viveu. Nos três andares,
vida e obra do famoso ribatejano são cuidadosamente arquivados.
Farta
bibliografia, ampla documentação iconográfica, espaço para reuniões e
conferências e uma boutique irresistível. Por estreita fresta, nos sentimos
como indiscretos voyeurs ao observar uma reconstituição, talvez imaginária, do
ambiente de trabalho do escritor em Lanzarote.
Aproveitei
para comprar “Viagem a Portugal” onde o Prêmio Nobel começa por estradas
vicinais, vilas e morros de Trás-os-Montes, ancestral província que fotografei
detalhadamente nos anos 50 para um filme que nunca se realizou. E todos as
fotos me foram roubadas. A viagem e seu relato terminarão neste mágico Algarve
onde passei os melhores verões de minha juventude. Mergulharei na escrita de
vocabulário rico, de frases poéticas, num português algo arcaico e sempre
elegante.
Tínhamos
notado uma oliveira centenária na pracinha da fundação. Cecília descobriu uma
placa informando que debaixo desta árvore, trazida propositalmente de Azinhaga,
terra natal do escritor, estavam enterradas suas cinzas.
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