Você deve
tê-lo visto andando a passos curtos pelas ruas do centro, na fila do cinema ou em
algum supermercado, analisando cuidadosamente o preço de cada item. Alto,
esguio, um pouco curvado, cabelo prateado cortado a facão, camiseta e calça sem
cor definida, havaianas cansadas de tantas andanças, mochila quase vazia nas
costas. De aspecto mais alemão que rio-platense, apesar do sorriso fácil, eis
um artista que gostava de solidão. Sim, a lista de seus amigos era extensa. Mas,
mestre na arte de manter a conversa em patamares amenos e superficiais, pouco
se abria a confidências e intimidades. Bastava, porém, uma observação, um
trocadilho, para que, de repente, saísse de seus finos lábios, em poucas
palavras, algo que iria despertar na lagoa tranquila do diálogo, uma inesperada
onda de estranheza. Quanto ao seu trabalho, afirmava sem o menor rodeio que era
um eterno ajuste de contas com a mãe. Ogra e Górgona, libertina e antropófaga,
rodeada de criancinhas ousadas e cães no cio, ela foi a chave de seu mundo, um
mundo de meias luzes, de improvável união entre Poltergiest e Alicia no país do
Incesto.
Tinha medo
da morte, lembrando que, na sua família, muitos morriam do coração e que ele
mesmo não teria vida longa. Morreu, apressado, aos 78 anos. Para mim, ele foi o
último elo com minha chegada à Bahia. Com frequência, íamos, ele, seu
companheiro Emílio e André Jolly, fundador da Aliança Francesa em Salvador,
amontoados no carro do uruguaio Miguel Huertas, até Passé, depois de Candeias,
onde nos esperava, uma caipirinha na mão, a sempre sorridente Agi Neeser na sua
casinha de fada rodeada de flores. Sentávamos frente às canoas dançando
preguiçosamente. Um discreto casal de fazendeiros franceses – a palavra “gay”
ainda não existia - vez ou outra vinha
se juntar a nós.
Em 1976,
recebeu o Prêmio Matarazzo na Bienal de São Paulo. “Bienal Nacional”
acrescentava ele, sempre reduzindo a importância de seu trabalho. Em 2008, me
pediram para fazer a curadoria de uma retrospectiva no Palacete das Artes.
Brigando com o programador visual para obter um catálogo a altura de sua obra,
ele, satisfeito com pouco, repetia “Não vale a pena, está bem assim... Pra quê
mais?...”.
Resta hoje um
farto acervo entre a exposição na Caixa Cultural e seu ateliê da Rua do Passo.
Por testamento, o conjunto foi legado a um museu de Art Brut (ou Arte do
Inconsciente) em Lisboa, já que, fora algumas vagas promessas, pouco ou nada se
pode esperar das secretarias de cultura locais. Em contrapartida, os urubus,
que nunca acharam interessante adquirir seus trabalhos, agora começam a rondar
quem possui desenhos, esculturas de pano, colagens, pinturas ou cerâmicas do Reinaldo
Eckenberger.
PS. Desconheço o autor da foto do artista.
Muito bom seu texto em todos os sentidos ele Eckemberger fica na memória de quem teve a sorte de conhecer. Axé
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