quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

MAQUIAGEM É COISA DE MERETRIZ

Evangélicas bolsonaristas: “Maquiagem é coisa de meretriz”




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Raquel, Elena e Bárbara integram o crescente círculo de influência das igrejas neopentecostais


Conto aqui as histórias de três mulheres. Seus rostos não vão aparecer no Jornal Nacional. Provavelmente, você nunca vai ouvir a voz delas. Três mulheres sobre as quais os acadêmicos não falarão nas suas aulas magnas. Brasileiras, pobres, cujas existências não se dão sob nenhum holofote, mas cujas palavras ensinam mais sobre o País do que muitas enciclopédias. 


Esta foi uma das entrevistas mais complicadas que fiz com eleitores de Jair Bolsonaro. Três mulheres jovens, de 20 a 30 anos, todas mães, residentes em uma área periférica de Porto Alegre. A entrevista deu-se na casa de uma delas. Não tinha praticamente nada. Pobreza, tinha pobreza. As três frequentam a igreja Assembleia de Deus e o nível de fundamentalismo e intolerância religiosa delas era sufocante. Uma das primeiras afirmações que escutei durante a conversa foi: “Maquiagem é coisa de meretriz”. Para imaginarem o nível. 
A entrevista durou quase quatro horas. Falamos de tudo, de família, de amor, de esperança, de desesperança, de medo, do passado, do futuro. Quando acabamos, eu tinha conseguido entender muito bem as raízes desse fundamentalismo religioso. Quando você conversa por tanto tempo com alguém olho no olho, com honestidade e realmente interessado em entender, você entende.
A primeira delas, chamemos de Raquel, foi abandonada pelo pai depois da morte da mãe no parto. Sem família, sua única chance de sobrevivência apareceu quando foi acolhida por uma missão evangélica. Literalmente, a igreja permitiu-lhe viver. Deu família, pai, mãe, educação, lar, futuro. No Brasil, 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai no registro de nascimento. Segundo a ONG Visão Mundial, 70 mil crianças vivem em situação de rua. Se o Brasil não fosse o que é, talvez Raquel não tivesse se transformado em uma evangélica fundamentalista.
A outra, digamos que se chame Elena, disse ter passado a vida de homem em homem, de rua em rua, de droga em droga, até que, segundo ela, uma igreja evangélica abriu-lhe as portas. “Encontrou Jesus” e, agora, anos depois, tem uma casa e um emprego dos quais se orgulha. Talvez, se o Brasil tivesse uma política de drogas decente e humana, Elena não seria hoje uma evangélica fundamentalista. 
A última, Bárbara, tem o marido na cadeia. Por tráfico. No Presídio Central de Porto Alegre. O marido converteu-se dois anos atrás ao conhecer pastores que vão à cadeia para pregar o Evangelho. Depois da conversão, diz ela, ficou muito mais tranquila, pois o marido tornou-se menos violento, não bebe tanto, não se mete em problemas, tem um grupo que o apoia na cadeia e, portanto, a segurança dele está mais garantida num lugar onde ninguém garante a segurança de mais um negro pobre preso. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o Brasil tem atualmente 800 mil detentos. Talvez, se o País não jogasse em masmorras sua população negra, Bárbara não teria se tornado uma evangélica fundamentalista.
Quando falamos da expansão e da importância sociopolítica das igrejas evangélicas no Brasil, em especial das pentecostais e neopentecostais, falamos de muitas coisas, de desrespeito ao Estado laico, de interferência religiosa na política, da Bancada da Bíblia, de intolerância com religiões de matriz africana, de Bolsonaro, de Marcelo Crivella, de Edir Macedo, de Silas Malafaia… Falamos destas três mulheres, da história de vida de cada uma, de um país que não deu nada a elas, de um Estado e de uma sociedade que falharam totalmente. Tudo se resume a uma frase de Raquel: “A igreja me deu tudo, eu darei tudo a ela”.
Se o Brasil não fosse o Brasil, talvez o Estado teria dado um futuro ou uma opção a Raquel. Talvez a sociedade não a teria esquecido, talvez ela não devesse tudo à igreja e talvez nunca fosse uma cristã que pensa que quem usa maquiagem é meretriz.

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