‘O balé me levou longe’, diz jovem maranhense aprovado na Ópera de Paris
Marcos Sousa, 16 anos, fala de sua trajetória cercada de preconceitos: 'As críticas homofóbicas, muitas vezes disfarçadas, me , me feriam profundamente'
Por Paula Freitas
A dança faz parte da vida cultural de Grajaú, o pequeno município do Maranhão onde cresci. Minha porta de entrada para esse universo foram as quadrilhas, que embalam a cidade durante todo o mês de junho. Aos 10 anos, incentivado pela minha irmã, que pertencia a um dos grupos locais, decidi ir a um ensaio. E aquele ritmo me pegou. Segui em frente e, um dia, um professor de balé que me observava me chamou para dizer que eu tinha uma rara habilidade e o porte físico de bailarino. Não demorou, e me convidou para fazer um teste. Minha mãe, empregada doméstica, e meu pai, auxiliar de serviços gerais, me apoiaram e enfrentei a audição sem medo. Acabei conseguindo uma vaga na academia de dança, com direito à bolsa de estudos, e troquei os trajes da quadrilha pelas sapatilhas. Não foi um percurso fácil, não. Sofri preconceito e cheguei a abandonar o balé por não suportar as piadas. Mas entendi que esse era o caminho que me deixava feliz e cá estou, às vésperas de ingressar na prestigiada Ópera de Paris.
Em nossa sociedade, é estranho um menino fazer balé. As críticas homofóbicas, muitas vezes disfarçadas, me feriam profundamente. “Homem não pode usar sapatilha”, diziam. E olha que eu era só uma criança. Ficou impossível lidar com tanto peso. Apesar da insistência do meu professor e da proprietária do estúdio, que destacavam meu talento, passei quase um ano fora. Tive sorte. Eles nunca desistiram de mim. Três meses depois de voltar, me contaram que a grande escola russa do Teatro Bolshoi, que tem um braço brasileiro, havia aberto as inscrições para uma pré-seleção de dançarinos. Participei de dois testes, um em São Luís, outro em Joinville, a cidade catarinense onde o centro de ensino deles está localizado. Quando vi meu nome entre os aprovados, meu coração disparou. Compor o quadro de alunos do Bolshoi era um sonho. Minhas grandes referências no balé passaram por lá e pela Ópera de Paris, como o fantástico Nureyev.
Embarquei sozinho para Joinville em 2020, aos 12 anos. Apesar de a escola oferecer um pacote de benefícios, é tudo caro ali. A verba de patrocinadores foi vital para que conseguisse seguir rumo ao balé profissional, um meio até hoje elitizado, duro para quem não pode arcar com tantos custos. A pandemia acabou interrompendo o ciclo, já que as atividades do Bolshoi foram transferidas para a modalidade remota. Não fiquei parado, mas senti imensa falta do convívio com alunos e instrutores. Só fui pisar de novo nas instalações de Joinville meses mais tarde. De lá para cá, fui ganhando confiança ao participar de recitais e ocupando até a posição de solista em parte deles. À custa de uma maratona de treinos, minha trajetória vem sendo rápida. Em menos de quatro anos, passei de um menino inseguro e estreante no mundo da dança a um dos bailarinos de destaque do Bolshoi no no país. Aí insisti. Entrei em contato de novo e, para minha surpresa, recebi resposta: para competir por uma vaga na concorrida academia precisaria enviar vídeos dançando. Passei na primeira peneira, mas para continuar no páreo tinha de ir à França para a audição final. E assim, pela primeira vez, carimbei o passaporte e cruzei o oceano. Tive medo. Havia torcido o tornozelo semanas antes e, na hora do teste, senti dor. Mas disfarcei, fiz minhas piruetas e fiquei no corredor esperando o retorno, que logo viria. Chamado pela diretora, ouvi: “Você está dentro”. Cheguei ao hotel e desabei de tanto chorar. Desde então, não paro de estudar francês, uma das exigências que eles fazem. As aulas começam em setembro. O objetivo agora é ensaiar até dar calo no pé para conquistar, quem sabe um dia, a posição de primeiro bailarino no palco que sempre admirei pela TV.
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