Famosa 'igreja de ouro' do Centro Histórico de Salvador tem pilar sem reboco, piso desnivelado, pintura desgastada e teto escorado.
Templo, que é considerado uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no mundo, está com diversos problemas estruturais.
Por Itana Alencar e Valma Silva, g1 BA
Igreja São Francisco enfrenta problemas estruturais em Salvador — Foto: Itana Alencar/g1
A igreja de São Francisco de Assis, no Centro Histórico de Salvador, é considerada por especialistas em arte sacra como uma das mais imponentes da América Latina. Com interior revestido em ouro, o templo fundado no início do século 18 foi tombado como patrimônio material do Brasil. Porém, o reconhecimento do governo federal, que deveria garantir a proteção ao espaço, não impediu a construção de atingir uma situação degradante.
Considerada uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no mundo, a igreja, que é integrada ao convento dos frades franciscanos, está com problemas estruturais. Durante uma visita, o g1 observou que o local está com pinturas e teto desgastados, pilastras sem reboco e piso desnivelado em vários pontos – o que dificulta a locomoção de pessoas com mobilidade reduzida.
Igreja de São Francisco, no Centro Histórico de Salvador — Foto: Itana Alencar/g1
Há pouco mais de um mês, um dos pátios da Igreja de São Francisco foi parcialmente fechado porque há risco de queda do pináculo direito. A estrutura, uma cúpula de metal que pesa cerca de uma tonelada e meia, passará por restauração, segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
No entanto, o processo ainda está em fase de licitação e não há previsão para ser concluído. Isso tem afetado o comércio da região, que depende, basicamente, de turistas. Motoristas e pedestres estão impedidos de circular por algumas vias, que também estão bloqueadas. Desse modo, hotéis, restaurantes e estacionamento esvaziaram.
Teto de igreja histórica de Salvador está desgastado — Foto: Itana Alencar/g1
As visitas ao templo, que é um dos mais procurados por quem passeia pelo Centro Histórico da capital baiana, seguem mantidas. Diariamente, pessoas de todo o mundo veem de perto um pedaço da história do Brasil colonial.
O que quase nenhum dos visitantes conhece são os problemas que a igreja enfrenta - embora muitos deles estejam bem aparentes, como um pedaço de madeira escorando o teto em uma das partes adornadas por azulejos portugueses do século 18.
Azulejos portugueses são presentes na Igreja e do Convento de São Francisco, em Salvador — Foto: Fábio Marconi/Divulgação PMS
Em maio deste ano, o governo federal fez a restauração dos painéis lusitanos de todo o prédio, porém, as melhorias não se estenderam a outras partes do templo, que carecem de manutenção.
O g1 questionou ao Iphan se há previsão de restauro do restante do local e o órgão informou que incluiu, no planejamento de ações de 2023, a contratação de empresa para elaboração dos projetos executivos de arquitetura, engenharia e restauração da Igreja de São Francisco.
Quando esta etapa for finalizada, conforme o instituto, será aberto um processo para contratar a empresa que fará as obras. O tempo médio de restauração de um monumento como a Igreja de São Francisco dura entre dois e três anos, de acordo com o instituto. Procurada pela reportagem, a Arquidiocese de Salvador não quis se manifestar a respeito do assunto.
Preservação da arquitetura barroca e etapas da reforma
Turistas na Igreja de São Francisco de Assis, no Centro Histórico de Salvador — Foto: Fábio Marconi/Divulgação PMS
As estruturas da Igreja e Convento de São Francisco começaram a ser construídas em 1686. A obra só foi concluída com doação de moradores em 1723, mesmo tendo sido aberta ao público dez anos antes, em 1713. O pesquisador Daniel Rebouças destaca a importância do templo.
"Pensando a iconografia como uma espécie de "escrita" pelas imagens da cidade, a Igreja e o Convento de São Francisco têm sido retratados bastante no último século, como dois dos maiores símbolos de uma opulência da Bahia no século XVIII, e a "Bahia" como um lugar da forte influência da fé católica na formação do Brasil".
"Em termos de suporte, eu destacaria a pintura, a exemplo das famosas obras de Presciliano Silva e Alberto Valença. Outro suporte onde a igreja aparece foram os postais, das primeiras décadas do século XX e, posteriormente, a fotografia – até anos 1960, mais ou menos –, especialmente quando enquadravam o Terreiro de Jesus e o Pelourinho".
Igreja histórica da Bahia, que é patrimônio tombado pelo Iphan, está com estrutura precária — Foto: Itana Alencar/g1
De acordo com o Iphan, o tombamento é a primeira ação de proteção e preservação dos bens culturais móveis e imóveis de valor cultural e importância histórica. Neste caso, não apenas a memória coletiva é preservada, mas todos os esforços e recursos investidos para sua construção.
O órgão explica que tombamento significa um conjunto de ações realizadas pelo poder público com o objetivo de manter esses bens através da aplicação de legislação específica, impedindo que sejam destruídos ou descaracterizados.
Igreja histórica da Bahia, que é patrimônio tombado pelo Iphan, está com estrutura precária — Foto: Itana Alencar/g1
Para fazer a restauração da Igreja e Convento de São Francisco, portanto, é preciso primeiro que o projeto da obra seja avaliado e aprovado pela comissão técnica do Iphan, que avalia o nível de preservação do bem e autoriza a construção.
Todo patrimônio tombado só pode ser reformado se as características que justificaram o tombamento, a exemplo da fachada e do conjunto arquitetônico, se mantiverem as mesmas. No caso da igreja franciscana, os desafios são grandes para assegurar as características tradicionais do barroco.
Riqueza incalculável
Altar da Igreja de São Francisco, em Salvador — Foto: Fábio Marconi/Divulgação PMS
Quem vê a igreja de fora, não imagina o luxo na parte interior. As superfícies internas - paredes, colunas, teto, capelas - são revestidas de intrincados entalhes cobertos de ouro, com florões, arcos, e inúmeras figuras de anjos e pássaros, símbolos do barroco brasileiro.
Ricamente decorado, o templo tem imagens de mestres santeiros baianos e lusitanos, verdadeiras obras-primas da arte sacra, duas pias de pedra doadas por Dom João V, quando era rei de Portugal, bem como balaustradas e outras peças esculpidas em jacarandá, um tipo de madeira nobre.
Igreja de São Francisco de Assis, em Salvador, é símbolo do barroco brasileiro — Foto: Fábio Marconi/Divulgação PMS
Nos púlpitos e tetos, há várias pinturas, muitas delas produzidas em 1737 pelo pintor português Bartolomeu Antunes, conhecido como o mais importante mestre ladrilhador do país colonizador.
Sobre o parapeito do coro, existe um antiquíssimo oratório com um crucifixo e dez pequenos nichos com relíquias, entre elas o crânio de um mártir a quem se atribuiu o nome de São Fidélis, doado pelo papa Inocêncio XII.
Igreja de São Francisco de Assis, em Salvador — Foto: Fábio Marconi/Divulgação PMS
Além da suntuosa capela-mor, dedicada a São Francisco de Assis, o espaço possui oito capelas secundárias. O cadeiral entalhado do coro, a estante para o missal e as grades entre as capelas secundárias são obras do frei Luís de Jesus, conhecido como "Irmão Torneiro". Estes elemento são do século 17 e foram reaproveitados da primeira igreja edificada no local, portanto, são os mais antigos da coleção.
A sacristia também possui um grande arcaz em madeira entalhada feito pelo "Irmão Torneiro", com pinturas sobre pequenas placas de cobre encaixadas em nichos, mostrando cenas da vida de São Francisco. Sobre o móvel, junto ao teto, está outra série de pinturas de Bartolomeu Antunes, com a mesma temática.
Teto de igreja histórica soteropolitana está danificado — Foto: Itana Alencar/g1
Igreja histórica da Bahia, que é patrimônio tombado pelo Iphan, está com piso desnivelado — Foto: Itana Alencar/g1
Igreja histórica da Bahia, que é patrimônio tombado pelo Iphan, está com estrutura precária — Foto: Itana Alencar/g1
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