quinta-feira, 17 de agosto de 2023

O EFEITO GUGGENHEIM

 


Bilbao, no norte da Espanha, que foi durante longo tempo uma cidade sem cor nem atrativo, no fim do século passado se viu projetada internacionalmente após a criação do Museu Guggenheim.

De gata borralheira, a cidade, num estalar de dedos, se transformou em princesa encantada, atraindo anualmente perto de um milhão de visitantes, quase tanto como o primogênito de Nova-Iorque, e projetando para a estratosfera a autoestima dos moradores.

Sim. Um museu pode mudar uma cidade, quanto mais um bairro. Se, dentro do perímetro do centro antigo de Salvador, existe uma Cinderela, essa é com certeza a Ladeira da Soledade. Que só é lembrada pelos governantes no 2 de julho. Basta uma olhada rápida para observar, debaixo do esquecimento geral, a riqueza de boa parte de seu casario, várias fachadas revestidas de azulejos portugueses do século XIX.

Azulejos também, e magníficos, decoram salas de um dos mais prestigiosos palácios de Salvador quando capital do Brasil: o Solar Bandeira, cujo esplendor ainda é lembrado no Inventário do IPAC. O leitor já adivinhou: torno a falar do projeto de um Museu Nacional do Azulejo, comparável ao de Lisboa, embora com algumas caraterísticas divergentes, já que, somente a partir da Independência, o Brasil começou a explorar uma arte antes reservada aos ofícios lusitanos.

Um dos painéis do Solar Bandeira

Salvador precisa deste museu, sendo indispensável a realização a nível internacional, capaz de atrair, além de estudiosos, curiosos e especialistas, um turismo cultural ávido de excelência, em contraponto aos rebanhos predadores dos cruzeiros veranistas.

O Brasil é detentor de riquíssimo patrimônio azulejar, bem maior até que Portugal, nem que seja pelas suas dimensões continentais. Dos seiscentistas até Athos Bulcão e Adriana Varejão, a Bahia pode ser pioneira na América Latina na valorização de uma arte que nos vem das margens do Eufrates e, no novo mundo, está presente desde os conventos de Puebla até o metrô de Buenos-Aires.

O Brasil precisa resgatar este patrimônio. Temos joias como a capela de Nossa Senhora da Pena que domina com muita nobreza o rio Paraguaçu. Seus azulejos seiscentistas estão se deteriorando de forma assustadora. Assim como o vizinho convento de São Francisco, cujas sucessivas restaurações são ciclicamente iniciadas e abandonadas e os azulejos roubados.

Este museu seria sem dúvida o maior incentivo para políticas regionais de reabilitação de nossa azulejaria. Não custa um grande esforço de imaginação para prever a metamorfose da Lapinha e da Ladeira da Soledade, agora parte do centro histórico de Salvador, contribuindo para aquilo que deveria ser a maior motivação de nossos políticos: elevar a qualidade de vida e a autoestima de seus moradores.

 

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