Paulo Ormindo de Azevedo
A greve dos caminhoneiros demonstrou a enorme fragilidade do nosso sistema logístico, urbano e político, cativo do pneu, do petróleo e do dólar. Os caminhoneiros deram algumas lições.
A primeira econômica. Não se botam todos os ovos num só cesto. A greve parou tudo: caminhões, ônibus, BRT, aviões, ambulâncias, taxis e lanchas e em consequência a indústria, a exportação, o abastecimento alimentar, a saúde e o turismo. Os prejuízos são incalculáveis e as metas econômicas furadas. Embora a crise seja estrutural, foi deflagrada por Parente ao alinhar o diesel ao aumento diário e cumulativo do petróleo e do dólar. Como o combustível entra no preço de tudo, com essa lógica todos os preços e salários deveriam ser indexados pelo dólar. Atitude burra, porque um menor preço do diesel, que serve ao transporte público e de cargas, poderia ser compensado por uns centavos a mais na gasolina do carro individual, sem necessidade de voltar a tabelar preços, cortar os programas sociais, provocar a queda das ações da Petrobrás e renunciar.
A segunda lição é política. O governo arrogante não ouviu, nem dialogou. Ignorou as advertências e a força das redes sociais. O movimento foi liderado por caminhoneiros autônomos terceirizados. A terceirização tirou dos sindicatos a representatividade e o governo não teve com quem negociar. Passou-se da guerra tradicional para a guerrilha. A solidariedade da população aos caminhoneiros revela a revolta da sociedade contra um estado corrupto, incompetente e sem políticas públicas. O governo se ajoelhou diante dos caminhoneiros, dando os anéis para não perder os dedos ou a cabeça.
A última lição é social. O patrão não pode mais viver tranquilo no condomínio fechado e no carro blindado, num país desigual e conflagrado. Os Mauricinhos tiveram que empurrar o carro até o posto, andar de ônibus lotados ou à pé no escuro. O establishment descobriu que trabalhadores como caminhoneiros, que produzem e transportam seus bens, guardam um segredo: sabem usar o celular como uma arma e se articular silenciosamente.
SSA: A Tarde de 03/06/18
Nenhum comentário:
Postar um comentário