O que pode acontecer com os filmes e séries nacionais
Sabe aquela série nacional bacana que você assistiu recentemente? Pode ser que ela não tenha uma próxima temporada. Filmes e documentários produzidos aqui também correm o risco de escassear. Com o crescimento da demanda por entretenimento na TV aberta, em canais pagos e nas plataformas de streaming, conteúdos audiovisuais brasileiros ganharam público e deram um salto em quantidade e qualidade nos últimos anos. Mas mudanças sinalizadas pelo governo, se confirmadas, podem modificar esse cenário drasticamente. É o que afirmam profissionais do setor, que temem por um futuro cada vez mais incerto.
Por enquanto é um tiroteio de informação e contrainformação. Em declarações recentes, é um tiroteio de informação e contrainformação. Em declarações recentes, o presidente Jair Bolsonaro voltou a falar sobre a intenção de extinguir a Ancine (Agência Nacional de Cinema) que, entre outras funções, administra o orçamento do Fundo Setorial do Audiovisual, que fomenta quase a totalidade do que é produzido atualmente. E não é pouco: atualmente são mais de 3.000 obras audiovisuais por ano, entre séries e filmes de todos os formatos, desde longas como Tropa de Elite, 2 Filhos de Francisco, Minha Mãe É Uma Peça e Que Horas Ela Volta?, a séries como Cine Holliudy, Sob Pressão e Irmão do Jorel.
Reações do setor audiovisual começaram a surgir, como a do diretor Marcus Ligocki (do filme Uma Loucura de Mulher e um dos curadores do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro) que redigiu uma carta aberta ao presidente na qual prevê um cenário apocalíptico caso o órgão federal seja extinto: "Não haverá mais produção audiovisual brasileira"
Para a produtora carioca Mariza Leão (De Pernas Pro Ar), a produção audiovisual pode até não parar, mas será profundamente abalada. "Há na Ancine e no corpo técnico de seus funcionários uma expertise que não se substitui em pouco tempo". Procurado pela reportagem do UOL, o Ministério da Cidadania informou, por meio de sua assessoria, que a Ancine será mantida, mas não descartou eventuais mudanças em suas atribuições.
A indefinição, bem como a falta de justificativas para elas, perturbam a produtora Mariza Leão. "Não creio que o governo tenha entendido ainda o significado da indústria audiovisual e sua capacidade de geração de empregos". Atualmente são mais de 12 mil empresas espalhadas por todo o país, responsáveis por aproximadamente 300 mil empregos, diretos e indiretos, com uma receita anual de cerca de R$ 25 bilhões, que corresponde a 0,5% do PIB, segundo dados do Sicav (Sindicato Interestadual da Indústria do Audiovisual). Questionamento semelhante ao da produtora Mariza Leão é feito por Leonardo Edde, presidente do Sicav. "Minha maior preocupação é o motivo, por que extinguir a Ancine ou mudar suas atribuições? E quem fará o trabalho que ela faz hoje?". Atualmente a agência possui uma estrutura com 345 funcionários efetivos, em três escritórios localizados no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
Filme com dinheiro público?
Uma das críticas de Bolsonaro ao órgão é o fomento com dinheiro público de obras cinematográficas que, segundo ele, atentam contra a família, citando repetidas vezes o filme Bruna Surfistinha (2011).
Entretanto, a maior fatia dos recursos para as produções vem do audiovisual por meio da Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional), um imposto sobre a atividade que é revertido para o próprio setor.
Pode isso? Extinguir a Ancine não é uma tarefa simples. O poder executivo pode tomar a iniciativa, dar início ao processo, mas como a agência foi criada por lei, sua extinção só pode ocorrer por decisão do Congresso Nacional, explica Cláudio Lins de Vasconcelos, advogado e doutor em direito pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). O que ele pode e já fez na semana passada é transferir o Conselho Superior de Cinema, responsável pela política nacional de audiovisual, do Ministério da Cidadania para a Casa Civil. O presidente também já confirmou a intenção de mudar a sede da Ancine para Brasília, que hoje é no Rio. A agência informou não ter sido ainda notificada formalmente sobre isso. A mudança da sede da Ancine para Brasília ainda precisa ser justificada, ressalta o advogado Claudio Lins. "É necessário comprovar a motivação dessa transferência. Em tempos de crise econômica deve-se avaliar, por exemplo, a relação custo-benefício dessa medida". Para o advogado é importante destacar ainda que existe uma política nacional do audiovisual prevista em lei com princípios que precisam ser considerados, além dos que já estão na própria Constituição. "O apoio do estado, inclusive financeiro, à produção cultural brasileira é uma obrigação constitucional, não uma opção programática".
As mudanças na agência reguladora, segundo informado pelo porta-voz da Presidência da República no dia 23 de julho, estão sendo analisadas pela Secretaria-Geral da Presidência da República.
Na contramão
Do outro lado, entre os profissionais do setor a apreensão só aumenta. Dependendo do que vier, eles prometem resistência. "Ancine e o FSA, foram criados por leis. Vamos ao Congresso", dispara a produtora Mariza Leão. As mudanças para o setor, sinalizadas nas declarações do presidente Bolsonaro, na opinião do diretor Marcus Ligocki vão na contramão do contexto mundial. "Avanços tecnológicos apontam para um consumo cada vez maior de conteúdos audiovisuais". Os problemas reais do setor no país estão em outras esferas, complementa Mariza Leão. Segundo ela, seria mais relevante seguir o exemplo da comunidade europeia e de países da America Latina que criaram defesas para para que suas produções possam enfrentar a presença e a ocupação da indústria audiovisual norte-americana. "Regular e proteger a presença nacional no setor são preceitos básicos do equilíbrio do mercado".
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